quarta-feira, abril 15, 2020


Vem aí onde o fim faz as últimas actuações da sua carreira, no início da noite experimentando este ou aquele sexo no camarim, fazendo beicinho, deitando cartas, uma poeira curta sobre as nossas vidas, vagas de marés mortas, perfumes para exibições sem vontade, o fim é uma drag num clube que atrai a mais fiel escumalha sentimental, onde a última moeda de um talento ou de uma fabulosa traição é gasta, e tudo parece espalhado até um sopro firme fazer a chamada, e então começa, alguns sentados nos ombros, outros suspensos na impressão desses passos de gigante, atrapalhado, rindo, que riso nas coisas, com modos bruscos, sonoros, uma primavera incomparável à solta, no ar apanham-se largas composições, deitamos tudo isso cá em baixo, no chão, notas pequenas, trocos, por dentro uns dos outros, o ouvido com o chão, janela aberta, medindo o tempo pelas garrafas e o que quer que faça História numa peculiar acumulação, sombras e pratos no lavatório, migalhas e flâmulas, roupas suadas, põe isso na música, anota, se dói serve, mas não nos contes, dela e do que foram os últimos meses, como to fez, te desfez, e quem mais, os miúdos que te rouba, sim, isso tudo, toca para eles, vira-te para lá, dá-nos as costas se te ajuda, sopra o mais que possas que nós seguimos, põe as coisas nessa fundamental desordem, um tico de jazz e logo verás como tens cúmplices onde menos esperas, como voltam a actuar nalgum fundo nocturno, que assalto, como cada ressalto floresce, bate, revira-se à superfície de um respiro, vamos pelo caminho onde nenhum vivo te alcança, deixa no retrovisor a rua até que se torne sobrenatural, a mesma rua sexual, a franqueza daquelas mulheres desfazendo o desejo em tabaco, no griso que rapam ali, passas de noite a contar as luzes, a fingir que se te abate a vida interior, ainda me lembro da última vez que entraste aqui desesperado, e era uma coisa inteiramente diferente, já então gesticulavas tanto, davas a altura do Adamastor a fazeres-te baixo para o impossível, mas vê-se que nunca tiveste o corpo feito tábua só para aguentar mais umas horas à tona, nem te ataram às velas o cadáver para que assobiasses depois de cada soco, quantas goelas em comum com o vento, a sentires as cordas fundirem-se na carne, volta cá, começa por esses nadas, esses triunfos miudinhos, depõe no temporal a tua podridão, sopra-o todo, e depois baixa as coordenadas, nisso as palavras importam, deixa algumas para mais tarde, vais precisar, uma corda dando voltas acabará agarrando o vazio pelo pescoço, vê só as coisas que se tornam possíveis sete corações abaixo, onde tudo realmente se complica, onde a noite poderá ser só abutres, mas terá o teu gosto pelo menos, e não desaparecerá tão cedo.

Sem comentários: