Vamos lendo na cama, remando um pouco, pasmados, e muitas coisas se dão ao mesmo tempo, mas, por mais exaustos, recusamo-nos a cair na narrativa, a deixar que nos puxem para si essas correntes, esses modos de sucessão, e antes preferimos aguardar que os grandes arroubos históricos atravessem o rio, deixando-nos em paz. Na altura certa, consagrados aos nossos ritmos arcaicos e primitivos, haveremos de cuspir o nosso sangue mais longe, e persistir, misturar-nos a tribos já extintas, numa mestiçagem dolorosa, mágica, para que nos não façam tanta diferença os séculos, e apenas remonte em bicos de pássaros, aromas argutos, beijos em que a saliva embrulhe com força de onda todo o idioma, um delírio de proporções exactas, medidas com inabalável precisão, nada de grandes mitos, mas alguns motes ferinos roubados aos provençais, aquele Arnaut justificando os nossos descaminhos, trovas, pragas, a oração que te sustém ao fazer um vinho de sugestões embriagando-se com goles de água, sofrer de tudo na acanalhada dose que serve ao charme, sem recuar um passo, nem esperar consolo, senhores de ninharias mas virando costas, partindo com um tremendo porte, penetrando enfim nesse misterioso território anárquico e feliz onde apenas pomos o pé quando saímos de cena, não importa de qual (Claudio Magris).
segunda-feira, abril 20, 2020
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