domingo, setembro 08, 2019


I am in blood/ Stepp'd in so far that, should I wade no more,/ Returning were as tedious as go o'er.

Comprar um pedaço de alho e pão, caçar pombos à pedrada, o que torna possível comer-se a si mesmo vivo, essa lista de vinhos para se encher de sede, os pobres prazeres da penúria, este desejo corrosivo que nos tira algo mais cada noite, apanhas o teu próprio nome, o som inteiro, de costas, à bulha, bruto, indefeso, numa longa e emaranhada história, e que memórias de um quarto partilhado com outros três, obrigado a dispor como loiça quebrada umas palavras sobre a linha abrupta do velho que, a meu lado, quase sufoca de tanto ressonar, ou deste, à minha frente, pele e osso, um moribundo praguejando no sono, já naquele estado em que o último sonho se gastou, não sobra mais nada, e além, o mais novo está imerso, calado, como quem mexe uma sopa que nunca mais arrefece e de cada vez lhe queima os lábios. Não tenho aqui o menor apoio, nada me segredam estas horas, os mosquitos esmagados na pele, essa perna que parece ter ficado debaixo de alguém, e que, por mais que me esforce, não o convenço a virar-se para o outro lado. Vamos estar dias nisto. É como dizias: Ninguém nos salva desta porra triste. Nem a luz suave desses mestres inconscientes se deixa ligar, nem um fósforo junto à boca, se se ouve roncar desta maneira a meio de um poema, começas a perceber o argumento que a noite vai prolongando até quebrar um a um os ossos da tua moralidade, e seria pouco complicado empurrar a cama até à dele, pôr-lhe a almofada sobre a cara, e pressionar como se fazia aos imperadores romanos. Se ninguém despertasse, voltaria a pô-la debaixo da cabeça, para dormir um par de horas. Isto aqui é como estar no mar com as piores estrelas em cima, como golpes deixando-te zonzo, vomita e acabas atraindo algum monstro. A cama de ferro, os peixinhos a lamber a ferrugem. Cuspo e por momentos vejo uma ilha. Assobio a espinha de uma melodia, frágil, bem trabalhada. De entre o descalabro da memória retiro uma das minhas poucas, boca como cereja, loura, capaz de dar cabo da saúde de todas as vezes em que nos fazíamos, como um sacrifício. Imaginem isto: que ela pagasse realmente um preço, imaginem que já se habituara a que, depois do coito, depois de eu sair, as queimaduras eram certas, e a febre. O que eu vi da paixão pareceu-me improvável, uma coisa muita antiga, demasiado bela. Não se consegue acordar ao lado daquilo. A intensidade humilha-nos na nossa baixeza. No fim estás farto desse mundo antigo. Queres as coisas diluídas da tua época. Mas imagino ter percebido como será. Ter a quem se ame. Outra carne onde embalar a mesma doença. Não pude, eu, mas se tu queres, sabe isto: deves destruir a vida de mais alguém, o que seguramente irá entrançar os vossos destinos. Depois, nunca mais foges.

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