quinta-feira, fevereiro 07, 2019


PA: Podemos ver este fenômeno em relação com a seguinte imagem que o sr. dá da sociedade pós-moderna em L’eroe che pensa: “pareceria uma superfície de mar coberta de restos de naufrágio mas, na verdade, não é mais do que uma tíbia piscina em que flutuam algumas garrafas de plástico”? 
AB: Sim, a imagem é a de uma intelectualidade de tipo universitário, que tem a garantia total, no fim, de que não corre nenhum risco, que tem com as ideias uma relação, digamos, muito asséptica, que se reúne periodicamente em hotéis confortáveis, para discutir a morte de Deus, do Apocalipse ou da Revolução, mas que nunca põem em discussão seu modo de ser, a própria categoria de intelectuais em sua relação com a sociedade. Por isso, tenho a ideia de uma progressiva perda de potencialidades pragmáticas, diria, além de ativas, morais e políticas da cultura. Parece-me que a cultura está se convertendo, cada vez mais, em uma zona administrada da sociedade tal como é, uma espécie de gueto, de zoológico, em que são mantidas algumas espécies particulares, culturais, porém nada disso exerce uma influência, um contágio no resto da sociedade. A cultura hoje tende a não julgar mais a sociedade; a maior parte dos intelectuais não julga, por exemplo, a forma das instituições dentro das quais vive sua vida cultural (queixam-se delas, o que é normal, porém não as julgam) e, portanto, a própria cultura tende a não pronunciar juízos de conjunto sobre a sociedade. Isso é um perigo, porque nossas sociedades estão viajando a velocidades extraordinárias na direção de um futuro que não conhecemos, essa velocidade cresce progressivamente, pelo desenvolvimento tecnológico e esmagadoras necessidades econômicas das sociedades modernas. A economia se converteu na Divindade; a Economia e a Tecnologia, como as duas caras de um mesmo Moloch, transformaram-se nas duas divindades de cujos desígnios é impossível escapar. As sociedades, efetivamente, adequam-se totalmente a isso, e então a cultura não consegue deter ou refrear um pouco esses processos, que muitas vezes são degenerativos, porém sequer tem a coragem de julgá-los.

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