quinta-feira, fevereiro 07, 2019


O livro L’eroe che pensa termina, não casualmente, com um ensaio, muito estranho, que tem uma forma estilística bastante insólita, uma espécie de representação comentada, uma teatralização, de três arquétipos do intelectual moderno: Hamlet, de Shakespeare, Alcestes, o Misantropo, de Molière, e o príncipe Andrei Bolkónski, de Guerra e Paz, de Tolstói. Isso para recordar aos intelectuais de hoje, que se converteram frequentemente em verdadeiros funcionários, como dizíamos, de que existe um modelo, uma tradição, que os intelectuais têm uma tradição, e que o perigo surge quando os intelectuais esquecem a tradição a que pertencem, e obedecem somente às regras da comunidade e da corporação em que estão inseridos. Essa tradição, como se pode ver nesses três personagens (poder-se-iam buscar outros exemplos, mas dificilmente existirão outros exemplos de intelectuais modernos como Hamlet e Alcestes), é uma tradição de solitários. Com eles, compreende-se que o exercício da inteligência é irreconciliável com o exercício do poder. Isso poderia parecer absurdo, porque então quereria dizer que a cultura não pode exercer nenhum poder. Não, creio que o poder da cultura consiste em não buscar nunca arranjos com o poder, em ter o poder das ideias. Não se deve crer que as ideias são impotentes; as ideias são ideias, e seu poder de influência não deve passar pela conversão do intelectual em político, ou do intelectual em manager, ou em organizador, como ocorreu, por outro lado, em grandes teorias modernas: em suas famosas Teses sobre Feuerbach, por exemplo, Marx dizia que, até então, a filosofia tentara entender o mundo, e agora se tratava de transformá-lo. Na verdade, a mente, a teoria, só pode tratar de entender o mundo. O mundo, em um certo sentido, transforma-se por si mesmo, e se transformou com maior velocidade do que Marx imaginava, por sua própria força. O pensamento, na verdade, como vemos nesses arquétipos do intelectual moderno, não quer exercer o poder, rechaça profundamente o exercício do poder. Hamlet não quer reinar, deve vingar-se, tem que tentar cumprir seu dever, colocar as coisas em seu lugar, vingar o delito cometido. Então, o chamado do livro é à crítica despreconceituosa do que acontece, sem prudências. Na história política do século xx, as maiores verdades, por exemplo, sobre o que foi o comunismo, foram ditas por autores isolados, por autores que logo foram difamados. George Orwell, por exemplo, ou Ignazio Silone. E, com muita frequência, os grandes teóricos ou filósofos, como Lukács ou como Heidegger, por seu turno, foram incapazes de entender o nazismo ou o stalinismo ou, pelo menos, não conseguiram avaliar todo seu potencial destrutivo. Por isso, os intelectuais não devem temer a solidão, em absoluto. Entendo por solidão não uma solidão estéril, mas uma solidão produtiva de ideias. Não devem tentar fazer com que suas ideias sejam exitosas, pois no mesmo momento em que tratam de transformar as ideias em algo potente, essas ideias deixam de ser as mesmas. As ideias que se tornam potentes não são mais as mesmas que tinham sido pensadas, e, portanto, devem ser simplificadas, devem ser transformadas em ideologia, em doutrina, em cultura socialmente influente, devem passar através de uma quantidade de filtros e de meios, que são aqueles dos quais nos servimos. Naturalmente, não podemos não nos servir dos jornais, da televisão ou do rádio, mas cuidado ao aderir completamente ao modelo, cuidado com não sentir que entre cultura e instrumentos de comunicação há uma brecha e uma desmesura radicais… E sempre se deve estar muito atento, porque todos operamos no limite entre a alta cultura e a cultura de massas. Sentir a diferença entre ambas é fundamental, na minha opinião, para um intelectual. O que está acontecendo hoje é que a maior parte dos intelectuais, inclusive universitários, que deveriam ser os guardiães da alta cultura, na verdade amam a cultura de massas, e eles mesmos desprezam em certo sentido a alta cultura, que não tem significado algum em suas vidas. Para compreender o que estou dizendo, você poderia se perguntar: o estudioso de Dante, ou de Quevedo, ou de Cervantes, lê Dante, Quevedo, Cervantes nas horas livres, ou lê somente como objeto de trabalho, para produzir sua comunicação, a pesquisa que soma pontos para seu currículo? Bem, se esse estudioso não lê Dante, ou Quevedo, ou Cervantes, antes de ir dormir, sem nenhuma finalidade ulterior, então já sabemos com que tipo de intelectual estamos lidando. Então creio que a distinção entre intelectual e político, entre funcionário da cultura e intelectual, é uma distinção polêmica, talvez desagradável, mas que não deve ser considerada terrorista. A crítica não deve ser considerada terrorista. Uma sociedade que quer ser democrática tem que se habituar ao exercício da crítica, porque, como uma vez disse Leopardi, elogiando a sociedade grega (caso se possa falar de sociedade grega, pois na verdade era uma série de sociedades, de pólis distintas entre si), os gregos tinham uma capacidade de tolerar, no interior da própria comunidade, uma grande quantidade de estilos de vida, muito diversos, e de tais extravagâncias que nós não seríamos capazes de tolerar. Nossas sociedades são infinitamente mais uniformes, mais uniformizadas, e isso é um grande perigo para a democracia.

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