domingo, dezembro 16, 2018


Tanto sítio para pôr o inferno,
e logo nos calhou a nós. 
Carlos de Oliveira, Finisterra


aqui cheira –
e é terrível, as coisas tomaram o hábito
de se explicar
sente-se subir o nível e ganham força
as correntes mas nada tem um gosto original

leio os planos do vento
como tudo desabará
sei como depois da música
vou perder-lhe também a cor dos olhos
ou então sonho numa língua perturbada
como teria sido hoje neste estado
descrever-lhe a morte do musaranho, plantá-la
nalgum canto
ao lado de uma fonte com musgo

sobre que terra
entre o soluço de que águas?

é duro isto
os poucos anos para se escapar
regressando por fim desolado
conheço um truque e um só
começa então a faltar-me a vida
tudo tão miúdo contado
cada passo o traço a pólvora
digo-te, rouba um pedaço do pão
mata ainda o que puderes

não jurei sobre a bíblia
mas tenho lá pelo meio
flores cujo nome me estragou os dentes
ruídos montando uma distracção
o casaco sobre a neve

trabalha além o pesadelo
e a minha carne abre-se
lá onde outros séculos rugem
e o vazio gira revigorando os impulsos
mesmo se o céu não nos deu mais astros
ainda que a noite nos humilhe
o louco sempre morre amanhã
dói-lhe a vida toda
mas que diferença lhe fará
se numa sílaba contém o deserto
desfaz num pó o que lhe contam
das mãos sopra esse bafo de monstros
e torna aparentes as feições
do inferno que pressentíamos


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