segunda-feira, dezembro 17, 2018

Paralelo W (2012-2018)



This is the way the world ends. Not with a bang mas com uns saldos bacanos.

Talvez a hora em que se vê ir o cortejo, estendendo a sombra ao caixão, não seja a mais certa para cuspir na direcção do morto, mas vamos fazer o quê?, esperar que se volvam os sete anos de Saudade sete (como é costume ler nos anúncios protocolares das viúvas), a isso não parece que possam ainda obrigar-nos, até porque de tão recatado velório se pode esperar que, ao passar em diferido, já com outra pompa, comova então quem chega sempre depois, para admirar-se com a avultadíssima despesa com flores, mai-los elogios fantasistas que dão a imagem não do que houve mas do que nalguma febre se sonhou. Afinal, passou-se o quê? Uns seis anos, e de quantas Ceutas jurou conquistar, não parece óbvio que o infante nem o bibe largou, e se ficou pela ronha, num brincar teimoso a fingir galhardia, num revolucionarismo circular, nuns deslumbramentos de aristocracia caquética, entre largas sonolências hibernais e, esgotados os paliativos, afunda-se o Paralelo W não propriamente numa liquidação total (salvam-se as pratas da casa), mas com uns grandes saldos, a terminar no próximo dia 22, e por costume já se vestem alguns do luto que, no trânsito das suas vidas, sequer chegam a despir, e trocam-se as memórias que por conta das varizes buscaram assento e puseram-se a efabular. Só eu, sacana confesso, que estive lá quando se assentaram as tábuas, se deu um sumiço no anterior recheio, não esperava que a baba persistisse, e com o mesmo visco, antes julgava que pudesse ser uma primeira mesa para outra razão, de maior fôlego e recreio, no espírito de porto para atracagens inúmeras, ventos e areias trocadas entre tripulações e viajantes, para ficarmos lendo contra o curso do rio, enquanto os corpos puxassem do mar a grande orca antepassada. Mas ficou-se tudo por um resumo bafiento das mais infaustas hipóteses que alguns supusemos, antro-buraco-capela, e no desajeitado ninho, equilibrando-se num tosco galho, apenas se viu como actuam os cucos... De tal modo que se tenho um testemunho a deixar da coisa é a Saudade de ir fazer o meu horário, na Rua dos Correeiros, com os turnos divididos entre alguns voluntários, para ter o Freitas a respirar no pescoço, logo ali, ainda antes de uma qualquer ordem sindical, vimos nascer a entidade patronal por meio de uma auto-eleição, e lembro-me desses passos funestos que se dão quando a liberdade e o resto é só mais da mesma porca condição: como ligava para lá a ver se estava a cumprir o horário, ensaiando para isso um despropósito qualquer. Não foi, de resto, tão diferente assim daquela vez, uns anos antes, em que se discutiu a criação de uma revista de crítica, éramos uns seis de roda da mesa, em Sintra, e outros mais, ainda sem recurso a procuração, perfariam a dúzia no que levávamos já de perspectivas e vontade comum. Tínhamos clara a falta que fazia uma publicação que arreasse feio nos que não sabem senão mover-se em bicos dos pés, à procura de poleiro, faltava um qualquer canhão onde o que vomitávamos tantas vezes juntos saísse numa exorcizada fúria, como projéctil, tomando inspiração nos criminosos, as unhas todas de fora, roídas algumas a admiráveis condenados, numa expressão crítica sem grandes contemplações, expondo a ferida, com tamanho nojo diante da cumplicidade dos silêncios proveitosos que dá o tom e serve de lei e ordem no nosso amesendado meio literário. Em suma: uma publicação combativa. Mas então o que se deu? Acertámos, nessa tarde, coordenadas, linhas de abastecimento, e inclusivamente o nome: Cão Celeste. Este sim, trazia-o na algibeira o Freitas, com o exemplo majestoso de Diógenes, o filósofo mendigo. Recebíamos, dias mais tarde, por email, um convite para participarmos na revista que havíamos planeado. Espantados uns enquanto outros já então eram só um encolher de ombros, éramos convocados pelos auto-proclamados directores da nova revista, Inês Dias e Manuel de Freitas. E como descrever a sensação de gratidão quando nos estenderam assim a mão para que subíssemos a bordo do nau corsária que idealizáramos, um projecto que, num desses passes de fatal magia, de "nosso" passara a "deles". Mas esse não foi senão um prenúncio da sanha arrebatadora de um casal que erguia os restantes pelo exemplo, e progressivamente já vinha autorizando-se a dispor das energias, contributos e iniciativas desses que, de amigos, haviam sido promovidos a “colaboradores”. Começou a soar uma música de grilhetas, aquele tão característico movimento em fila, pressentia-se o quadrupejar, enquanto se percebiam os contornos de um esquema feudal. Logo, e para não se perder o espírito de equipa, a tutela punha em prática, uma vez mais, o seu teatrinho de afectos e desafectos, e só faltou a caderneta com as estrelas em sinal das vantagens amistosas, os bons+ frente aos suficientes ou cês, e as circulares internas a descompor este ou este por se ter enchido de bocejos diante de alguma oração, assim se assenhoreavam, em poucas semanas, dos esforços comuns, exercendo vigilância, estabelecendo metas curriculares. Ou seja, estava ali criada uma amável tirania, com o enredo de desaguisados que liga as melhores famílias. Diferentes graus, ou degraus marcavam os círculos interiores e exteriores da seita, até se chegar ao topo do esquema piramidal... Quanto mais ignaros tanto mais puros, quanto mais puros mais poetas daquela santíssima ordem das carmelitas. Nessa ascendência era preciso passar pela complacência de uns, os que não vêem e os que, bartlebyanamente, preferem não, aqueles que até foram vendo mas que tinham o lume à temperatura certa para chocarem o seu ovo, e ainda aqueles que tudo vêem e nunca esperaram outra coisa ou sempre preferiram as coisas assim. Serviu-nos bem de lição. Nada de bom pode vir dos que condenam o mundo para se perdoarem ou distraírem de si mesmos. Mas é curioso ver o espírito de Diógenes celebrado por uma candeia que leva dentro um baile de mosquitos colocada diante do sol e que se gaba de ter feito em fanicos a escuridão.

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