quarta-feira, agosto 01, 2018


Codesto solo oggi possiami dirti,
ciò che non siamo, ciò che non vogliamo.
Eugenio Montale

Em que sítio perdido ainda escutas os regimentos do vento, hoje ociosos? Depois das guerras de infância, perdeu-se o sentido das fronteiras que tanto lutámos por fixar. Um espaço já só guiado pelos mesmos muros gretados de flores e de intermináveis lendas analfabetas, ínfimo reino de uns putos ancestrais cujos gritos já mal se ouvem. Minha vida para sempre ancorada nos velhos pátios, entre as sombras que não se mudaram. As salas de aula vazias e, de castigo, a nossa antiga grandeza. Ainda nos reconheço pelas vozes. Fui jovem aqui e fiquei de voltar. Não pensei é que o tempo fosse tornar tudo tão ridículo. Com a carne entreaberta volto enfim, ferido um pouco de tudo. O avesso de um perfume roubando a brisa. E apanho-lhe cada pétala, para cair de volta no embalo mágico desse gesto desequilibrado que tanto te procurou. É uma dor certa, ordeira, a identidade que me resta. Teu nome sem memória já, só canção. Volto a repeti-lo como quem se ensurdece, dou por mim a rezar a deuses escabrosos, a desfazer em trocos a alma para te comprar no inferno. Por vezes sentir chega, e muitas vezes a carne já não aguenta aproximações. Não há dor na voz. Só existem os dentes, mas dentes que caem entre frases destruídas. Não deixam passar um fio de calor. O mundo cheira em mim um estranho, pede licença, afasta-se. Neste rosto fixo de vidro que me serve de reflexo, sorrio do meu ar decapitado entre cabeças que roçam outras estrelas, corpos com as rédeas quebradas, que da solidão fazem uma música espaçada, soando docemente num lugar estranho à sua dança. É pouco? E triste, eu acho. Talvez te lembres também que não foi para isto que crescemos. Não íamos só envelhecer para um dia oferecer o peito às balas do passado.


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