domingo, julho 15, 2018


Não vem de longe o enferrujado murmúrio dos baloiços que nos diz o lugar onde a infância foi enterrada. Inclinas o ouvido, perdes-te no sussurro medieval destas águas – largo espelho onde se animam as frontes quebradas dos antepassados. Longos bandos de aves atravessam a região, como procissões piedosas. Tudo é remoto, um luto antiquíssimo comanda o menor gesto no espaço mínimo da mesa de pedra onde traduzes a paisagem em lentas sílabas de sombra. A noite estende-nos a sua mão de vidro de que bebemos o vinho cintilante dos nossos reflexos. Luz assombrada que vai ficando de verso para verso entre estes corpos de penumbra e vozes sem conta, ecos envelhecidos. Vidas meio inconscientes mas de pé, ao balcão. Como uma infantaria cansada de trincheiras e pás, deixam-se alvejar. Quando não podem mais, são fantasmas a cambalear pelas ruas até caírem nalgum buraco ou ao lado de uma mulher. Foi sempre esta a ideia que fizeste do que é um homem entre homens, disposto a sofrer com eles, enlouquecer com eles. De um povo que abdicou de fazer heróis, e dessa escolha retira a sua força. Ilegíveis lendas, as estátuas anónimas trocando olhares comovidos nestas praças negras dedicadas à memória de impossíveis derrotas. Uma quietude, a sensação de uma eternidade maligna que nos devolve aos lugares onde a vida não soube distinguir-nos uns dos outros.

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