sábado, julho 02, 2016
Deixas a luz do sol entrar de novo
dividindo o quarto
num tratado de tordesilhas.
Luz que segreda, preenche sem
derramar,
toma a lenta rotação do mundo
e desfaz a tarde em tons
magoados,
fios de sol esquecidos,
emaranhados nas árvores,
onde balouçam frutos de sombra
prestes a cair
espalhando a noite.
O grilo já se afinou,
começa a raspar no invisível.
Nos pátios os miúdos recolhem os ecos
e as bicicletas.
Voltam para casa.
Fica a criança que o vento remói,
um baloiço a engolir em seco,
mais à frente essa porção de terra
enchendo um sapato.
O jardim num apanhado
de sombras esquisitas.
Guarda de recordação
um último velho
nalguma das suas mesas roídas.
Braços cruzados, a cabeça de lado,
como uma criança que ficou
de uma infância deserta,
uma nota a lápis na margem,
a impressão
de que os velhos tempos
não foram mais longe que isto,
este tédio-esperto,
largando transatlânticos
nas águas mortas de um chafariz.
Raspadas no coração dos muros,
as primeiras frases, tão sujas de intenção,
tão longe dos poemas.
Com o fim da tarde o amor
deixando-se confundir
com qualquer outra profissão.
Todos estes fins de mundo reais,
cruzados,
a luz que é expulsa de um quarto,
e, no fim do som e da fúria,
o arrependimento levantando-se da cama
respirando baixinho,
capaz de dar uma costela
por um fósforo
quando o silêncio alcança
o refrão: “que caralho faço eu aqui?”
Vestes a camisa fingindo
toda a calma do mundo,
e sais quando ela se põe
a cortar os cabelos no escuro,
deixando-os cair como se chorasse
mas tão depois das lágrimas.
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