quinta-feira, setembro 18, 2014


Estas peças surgiram numa época de guerra constante e tornaram-se parte da educação dos soldados. Estes soldados, cujas naturezas tinham tanto de Walter Pater como de Aquiles, associados aos sacerdotes budistas e às mulheres no aperfeiçoamento da vida numa cerimónia, quer a jogar futebol, quer a beber chá, quer ainda a viver todos os grandes acontecimentos do Estado, transformaram-nas em ritual. Na pintura que decorava as suas paredes e na poesia que recitavam descobrem-se os únicos sinais de uma grande época que não podem decepcionar-nos, o mais vívido e subtil discernimento dos sentidos, e a invenção de imagens mais poderosas do que os sentidos; a presença constante da realidade. É ainda verdade que Deus nos oferece, de acordo com a Sua promessa, não o Seu pensamento ou as Suas convicções mas a Sua carne e o Seu sangue, e acredito que a esmerada técnica das artes, parecendo criar, a partir de si própria, uma vida sobre-humana, ensinou mais homens a morrer do que a oratória ou o livro de orações. Só acreditamos naqueles pensamentos que foram concebidos não no cérebro mas em todo o corpo. O soldado minóico que carregava sobre o braço o escudo ornamentado com a pomba, no Museu de Creta, ou que tinha sobre a cabeça o elmo com o cavalo alado, sabia desempenhar o seu papel na vida. Quando Nobuzane pintou o Santo Kōbō Daishi em criança, ajoelhando-se cheio de doce austeridade sobre a flor de lótus, colocou diante dos nossos olhos a excelência da vida e a aceitação da morte.
Não consigo imaginar aqueles jovens soldados nem as mulheres que amavam, agradados com a malformação e com a teatralidade de Carlyle, nem, penso eu, com a grandiloquência de Hugo. Tudo isto pertence a uma era industrial, a uma sequência mecânica de ideias; mas quando me lembro daquele curioso jogo a que os japoneses chamaram, com uma confusão dos sentidos que teria parecido típica da nossa própria época, "ouvindo o incenso", sei que alguns de entre eles teriam compreendido a prosa de Walter Pater, a pintura de Puvis de Chavannes, a poesia de Mallarmé e de Verlaine. Quando o heroísmo regressou à nossa época trouxe consigo, como sua primeira dádiva, a sinceridade técnica.


- W. B. Yeats
(tradução de Célia Rego Pinheiro)
in Ouvir o Incenso, Cotovia

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