quinta-feira, setembro 18, 2014

Realismo


O realismo foi criado para a gente comum e foi sempre o seu deleite característico, e é hoje o deleite de todos aqueles cujas mentes, educadas apenas por mestres-escola e por jornais, não têm a memória do belo e da subtileza emocional. O realismo ocasionalmente humorístico que tanto intensificou o efeito emocional da tragédia isabelina – o velho de Cleópatra com a áspide, por exemplo – elevando a crise trágica, por contraste, acima da fasquia do teatro palaciano de Corneille, foi feito, de início, para agradar ao cidadão comum que assistia de pé sobre os juncos do chão; mas as grandes falas foram escritas por poetas que se lembravam dos seus patronos nas galerias cobertas. O fanático Savonarola estava morto havia já um século, e a sua queixa, no frenesi da sua retórica, de que cada príncipe da Igreja ou do Estado, pela Europa fora, estava exclusivamente ocupado com as belas-artes, tinha ainda o seu quinhão de verdade. Um trecho poético não pode ser compreendido sem uma memória rica e, tal como a velha escola de pintura, apela a uma tradição e não apenas quando fala do "cais do Letes" ou de "Dido à beira do mar revolto", mas no ritmo, no vocabulário; pois o ouvido tem de notar ligeiras variações sobre velhas cadências e palavras usuais, toda aquela esmerada produção de estilo poético onde não há nada de ostentoso, nada rude, nenhum fôlego de parvenu ou de jornalista.
Pressionemos as artes populares a um realismo mais completo – essa seria a sua honestidade – pois as artes comerciais desmoralizam pelo seu compromisso, o seu estado incompleto, o seu idealismo sem sinceridade ou elegância, a sua pretensão de que a ignorância pode compreender a beleza. No estúdio e na sala de estar podemos fundar um verdadeiro teatro da beleza. Poetas do tempo de Keats e de Blake escarneceram da sua geração apenas por via do que é menos declamatório, menos popular na arte de Shakespeare, e em tal teatro encontraram o seu público habitual e mantiveram a sua liberdade. A Europa é muito velha e já experimentou muitas artes e conheceu o fruto de cada flor e soube o que cada fruto deixa, e é agora tempo de copiar o Oriente e de viver deliberadamente.

- W. B. Yeats
(tradução de Célia Rego Pinheiro)
in Ouvir o Incenso, Cotovia

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