segunda-feira, setembro 22, 2014


Vai para aí muito de conselhos a jovens escritores. O que gostam os capangas da administração do frouxo condomínio livresco de ensaiar manuais de etiqueta e vir legar a corcunda. Reclamar seniority. Talvez seja hoje um tempo em que tudo sabe a tarde demais. Mas talvez fizesse mais sentido que, novamente, fossem os jovens a dar alguns conselhos aos seus velhos. Explicar que não, não basta a natural inclinação das coisas para ir tudo bem encaminhado, não basta fazer uma coisa muitas vezes nem há muito tempo, melhor seria fazê-lo comedidamente, não insistir tanto. É uma forma de radicalismo, essa moleza que tanto insiste, que sempre se oferece e mostra disponível. A grande vanguarda ainda é o anonimato. A expressão que se desembaraça dos modos de torpor hierárquico. É uma doença comum essa coisa da experiência. Basta dar anos da vida a um certo tipo de erro e a coisa parece ficar séria, admirável. Mas e se a teimosia não for mais que uma vaidade desesperada, que vive de se arrastar pelo chão e já o decora de nuvens de giz e faz de brilhos ajoelhados e reflexos baixos os astros de um céu dos caídos. Nenhum acto rebelde pode tornar-se um estilo de vida. Isso é já miserabilismo. É mais justo fazer as coisas por acaso, ou por desacato mas sem um ânimo moral. A liberdade é acidental. Sai-se para a literatura quando é da literatura que é preciso sair. Deixem-se lá de conveniências. Tudo já é muito difícil caoticamente, mas instalada a ordem torna-se então quase impossível. Se é literário, começou pelo fim e é necessariamente mau. Se ganhou um prémio, pior. Se tanta gente precisa de estabelecer uma claque para seguir com o espanto que sente diante do que a comove, essa gente apenas revela fraqueza. Uma classe que vive as suas paixões de forma adepta. Que se cola, segue, numa emburrada militância. Normalmente, não é preciso mais, mas menos. Deixar que as coisas prossigam a sua natureza fenomenal. Do que não se extingue, embora como espécie seja já o último exemplar, incapaz de perfeita reprodução. A ideia da multiplicação é uma conspiração carente e decadente. Crescei e multiplicai-vos, mas só se fordes muito parvos e não tiverdes outros modos de vos fazer entender. Há ideias melhores, mais necessárias. Cada lenço que se ata a própria seda do lenço o desata. Como vamos explicar isto melhor? O mal é a desconfiança que sempre nos obriga a mais. Como quem inscreve na pele o seu memento. Perante o terror de esquecer, tatua-se, faz da pele um caderno de notas. E não entende como a tinta o encerra cada vez mais fundo em inúteis convicções. Engaiolado na própria pele. Um bocadinho mais ausentes, mais silenciosos, menos à flor de todo este absurdo, seremos mais lúcidos. Menos obstinados, menos ansiosos.
 

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