quarta-feira, dezembro 11, 2013

Judith em Esterri


Aí não se vê o mar, não gritam as gaivotas.
Mas o que fazes aí, nesta tarde de sol,
faz tanto tempo já que não me lembro,
intocável no tempo.
A terra puxava por ti como pelo cordão de uma cortina
mas soprava um pouco de brisa e isso era,
à falta de outra coisa,
o que entendias por felicidade.
A casa familiar, com todas as suas promessas incumpridas,
e a astúcia do rio.
A música causava-te tantos estragos que parecias tonta. Todas essas canções!
E este era o meu conselho: que te mandasses.

Agora já estás de volta. É a vida real com as suas merdas do costume.
Mas nem tu nem eu aprendemos:
que apesar de acreditarmos nesses paraísos mortíferos
nos matará algum dia.
                                        Enquanto isso,
deixamos que as lentas, meticulosas cartas
ponham ordem no mundo por nós.

As cartas, a memória dos pecados,
a música mecânica das cartas apenas encobrindo
o medo de que isto – este cansaço um dia e depois outro dia – seja tudo.
Temos vindo a respirar nas cartas durante pelo menos cinco anos.
As palavras e logo mais palavras.
E amiúde assusta-me pensar que tenhamos posto mais do que devíamos nelas, como espelhos
nos quais um tipo se olha e volta a olhar
para no final se deparar com o rosto de um autêntico estranho.

Assim te deixa o tempo: intocada, em ti mesma,
num lugar sem mar no qual eu nunca estive.
Não saberia dizer se te conheço.

Mas neste poema vou salvar-nos aos dois. Escuta:
tu e eu nunca nos fizemos mal
e isso é algo que não podem dizer muitos amantes.
Acrescento os beijos que não há que lamentar;
as manhãs nus na praia, sem nos forçarmos,
desfazendo o juguete do mundo em pedacinhos;
as ausências e como te atraí até minha casa puxando
suavemente por um cordão invisível,
como quem se busca e – milagre – se encontram;
as garrafas de vinho e seu fragor amável, a renúncia a ir mais longe, o desejo,
que não nos falte nunca a pica do desejo.

Quanto ao mais, quisemo-nos bem.

De noite, enquanto escrevo, parece-me ouvir-te chorar.

Acalma-te, já não estás só.
Acabo de pôr uma das tuas canções
e já não poderás nunca mais ser-me uma estranha.


- José Luis Piquero
in El fin de semana perdido, DVD

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