Como se nunca houvesse sido minha,
entrega ao ar a minha voz e que no ar
seja de todos e a conheçam todos
tal como uma manhã ou uma tarde.
Nem sequer aos galhos abril acode
nem sequer pela água espera a estiagem.
Quem poderia dizer que é seu o vento,
sua a luz, o canto das aves
no qual resplende a estação, mas quando
chega a noite e nos choupos arde
tão ameaçadamente retida?
Que tudo acabe aqui, que tudo acabe
de uma vez e para sempre! A flor vive
tão bela porque vive pouco tempo
e, ainda assim, como se entrega, inteira,
deixando de ser flor e convertendo-se
em ímpeto de entrega. Inverno, ainda que
não tenha atrás de si a primavera, atira
para fora de mim o que é meu e integra-me,
inútil pólen que se perde na terra
mas que foi de todos e de ninguém.
Sobre esse campo aberto, o relento
um pinhal é o pinheiro, ar sobre o ar,
relento apenas para a minha estiagem.
Quanto à voz que vai escavando um leito
que sacrilégio este do corpo, este
de não poder ser hóstia para se entregar.
- Claudio Rodríguez
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