quinta-feira, janeiro 03, 2013

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O beijo é uma suspensão da realidade, casulo, regresso ao útero, sua água, seus movimentos, sons. Intensificação dos sentidos, da vida quando dela arredamos todo o acessório, tudo o que, não sendo exactamente de ninguém, é, por isso mesmo, maximamente alheio. A perfídia das maquinações e da robótica. A antítese das pétalas, dos esporos. Antítese da água, forma e substância dos prazeres supremos, musicais. O beijo é um mundo nosso, só nosso, caleidoscópico e, contudo, sereno. Sereno, porém palpitante. Nervoso porque nevrálgico. Vital. Eu dentro de ti. Tu dentro de mim. Uma só língua perfurando a membrana aquosa que reveste o núcleo do Universo. Da Origem. Do Sublime. Do inefável. Do inconcebível a que só se acede pelos sentidos, e improvavelmente. Vêm-me à ideia as medusas (que nos Açores se chamam águas-vivas), criaturas improváveis, translúcidas, certamente divinas, anteriores e posteriores aos olhos que fugazmente as observam. Como tua beleza, tua imagem, que existia em mim tão antes de te ver e aí repousará, salvífica, pelos séculos dos séculos sem fim.

- Miguel Martins
in Cãibra, Ediresistência

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