quarta-feira, setembro 21, 2011

Os frutos da imobilidade

Entre a tarde e a arquitetura,
a oclusão e a consonlância,
canto-me dormido no horizonte
na viagem de olhos cerrados
para as catástrofes do sono.
E meu coração que é sombrio
como um sol visto às avessas
tem canção ininterrupta,
fanal de sino acordado
ou os instantes plantados
no dia do dia seguinte.

Canto o tráfico do que sou
diante da luz da aurora,
a mulher do meu amor
e eu sempre seguro e calmo.
Luz no caminho noturno
que cheira a mato pisado.
O romper do dia sustenta-me
com seus címbalos de mármore.

Não entôo o desencontro
no amor da tarde, ou a cadeia
que nasce de tuas palavras.
Canto a canção que me envolve
com os teus textos cruzados
como o trânsito na chuva
em uma rua chanfrada.
Não me inclino às harmonias
descobertas no tédio, elipses
de vôos incomunicáveis.
No vasto chão do acaso
eu lúcido apanho a rosa.

Ei melodia! e o mar
ao meu lado comparece
com todos os seus navios
inclusive os naufragados
que retornam com seus mastros
aos preâmbulos das nuvens.
Guardando um sol no meu peito,
falo de amor, compareço
aos espelhos dos instantes
onde a vida se reflete
em termos de diamante.

E aos torvelinhos de outubro
- momentos que são pirâmides -
canto a vida em que pereço
entre dois pavimentos.

- Lêdo Ivo
in Cântico, Orfeu

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