quinta-feira, setembro 23, 2010

Quarteto de Pompeia

Em Pompeia, entre outros corpos petrificados pela lava e as cinzas da erupção do Vesúvio (ano 79), estão conservados os de um homem e uma mulher no acto amoroso.


Despimo-nos tão furiosamente
a ponto de perdemos o sexo
debaixo da cama,

despimo-nos tanto
que as moscas jurariam
que estávamos mortos.

Despi-te por dentro
entrei-te tão fundo
que se extraviou o meu orgasmo.

Despimo-nos tão furiosamente
que cheirávamos a queimado,
e cem vezes a lava
voltou para esconder-nos.


II

Fizeste-me um dano tal
com tua boca, teus dedos,
fazias-me saltar tão alto

que eu era o teu estandarte
mesmo não havendo vento.
Despiste-me tão furiosamente

que pronunciei o meu nome
e doeu-me a língua,
doeu-me a idade.

Despimo-nos tão furiosamente
que os deuses tremeram,
e cem vezes mandaram
as lavas esconder-nos.


III

Esfregavas tão rápido
os seios que por duas vezes
caí nos seus remoinhos,

mexias lentamente o cu,
bem alto, fustigando-me
na sua negra emboscada,

seu perene meio-dia.
Abrias tanto a sua história,
já gritava o seu naufrágio...

Despimo-nos tão furiosamente
que não nos conhecíamos,
que os deuses mandaram
a lava reinventar-nos.


IV

Desmenti-te de cabo
a rabo devolvendo-te
aos teus primeiros actos,

perscrutei-te profundamente
até escutar a história
amarga do teu corpo,

pois só o amor sabe
como chegar tão fundo
sem violar o sangue.

Esta noite a lava
transformou a paisagem em pedra.
Tu e eu fomos a única coisa
que realmente morreu.

- Fabio Morábito
in La ola que regressa (poesia reunida)

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