terça-feira, setembro 07, 2010

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0LA5Sg34kwh1LWmkiYoAm4xaa8tMIJnX0iSvViu5cdqYSo2_gUn_2RI_d2BXw5foa9p3EeTDIBMw66SkkCtdsUIjhIu1xSBu7gsSy-eV1piTi0qxlKtgHRqHhTI71vm1xNFJS/s1600/Lhasa+de+Sela+accueil.jpg


O vento a rondar os dragoeiros


morreu Ulrich Mühe e o seu rosto antigo
que olhara em tempos na minha direcção
enquanto ouvia a Apassionata de Beethoven,
o amor e As Vidas dos Outros. eu vira o filme
sozinha, num teatro vazio como uma igreja

abandonada de Tonino Guerra, com a cerejeira
a erguer-se entre as cadeiras e o palco
que ninguém vê. ficou tudo ligado: aquele olhar
subterrâneo que regressava agora a águas fundas,
a minha avó a ajeitar, com os seus dedos térreos,
a planta que morreu com ela, a resignação
das gaivotas ao longo da praia
e as palavras de Borges sobre
as coisas que morrem em cada agonia.

ouvirá Mühe, nos seus auscultadores,
a nostalgia do vento a rondar os dragoeiros?
és tu que cantas, Lhasa, com os melros negros,
a luz melancólica desta manhã?
quem dormirá no colo da minha tia,
protegido pelas suas mãos de árvore?

o que morrerá comigo, avô, quando eu morrer?

- Renata Correia Botelho
in small song, Averno - 2010

1 comentário:

Unknown disse...

profundo.