cruzo a desmedida realidade
de fevereiro para ver-te,
o mundo transitório que me oferece
no assento de trás
uma oculta abóbada de sonhos,
luzes intermitentes como conversas,
letreiros acesos na brisa,
que não são destino,
mas que estão escritos por cima de nós.
Eu sei que as tuas palavras não terão
esse tom luxuoso, que os ares
inquietos do teu cabelo
guardarão a nostalgia artificial
do sótão sem luz onde me esperas,
e que por fim de manhã
ao acordar-te,
entre esquecimentos a meias e detalhes
fora de contexto,
terás piedade ou medo de ti mesma,
vergonha ou dignidade, incerteza
e talvez o luxurioso mal-estar,
o golpe que nos deixam
as histórias contadas numa noite de insónia.
Mas também sabemos que seria
pior e mais custoso
levá-las a casa, não esconder o seu cadáver
no fumo dum bar.
Eu venho sem idiomas desde a minha solidão,
e sem idiomas vou até à tua.
Não há nada a dizer,
mas suponho
que falaremos nus sobre isto,
pouco depois, tirando-lhe importância,
avivando os ritmos do passado,
as coisas que estão longe
e que já não nos doem.
- Luís García Montero
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