domingo, novembro 01, 2009

O Crocodilo*

O crocodilo veio hoje vender-me uma televisão. Roubou-a. Dei-lhe 150 pesos. Pediu mais, estava de ressaca. Quando estão a ressacar não preciso de me esforçar muito, aceitam tudo. Era Sony e tinha um ecrã grande. Há um cliente que de uma volta por outra vem cá e pergunta por uma Sony grande, por isso fiz bem em a comprar ao crocodilo. Não tem telecomando Amanhã levo-a para Tepito.
Perguntei-lhe se tinha dinheiro, pôs-se a correr. Fui atrás dele. Senti-lhe o medo. O filho da puta está mais perdido do que eu. Sabia que ele tinha dinheiro porque vi-o a sair da casa de penhores. Corri atrás dele até ao Zócalo, mas ele desapareceu por uma viela.
Veio ter comigo a Tepito, trazia umas cassetes de vídeo e uma saca com livros usados. Comprei-lhe duas das cassetes VHS, eram documentários da vida animal, há sempre tarados que compram isto.
Sai amanhã. Diz que tem um tio que lhe arranja um Job numa carpintaria.
O otário não pagou ao Stress. Eles andavam sempre a chateá-lo, Dizia ao Stress que a mulher não o podia vir ver porque o filho estava no hospital e por isso não tinha dinheiro. Claro que fazia uns favores a este ou àquele, mas não tinha dinheiro para pagar. Devia de três dias. Os do Stress mandavam recado pelos da mesma cela, ele andava branco como o leite. Já tinha visto outros marcados.
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No pátio atiraram-lhe com água a ferver para ele ficar marcado. Ficou todo manchado, as queimaduras não desaparecem mais, a cara é a de um monstro. Parece um crocodilo.
O vendedor de bananas fritas avisou-me que ele se tinha metido com os do Cruda. Disse para ele não me chatear mais. Estás pálida – Disse o cabrão. Imaginei-o frito e enrolado numa bandeira vermelha.
O crocodilo foi encontrado a boiar no riacho, Tinha as mãos amarradas e a barriga inchada.
Pediu que o ajudasse a escrever o currículo. Quando fechei o cyber, abri o Word e ele ditou-me. Tinha que mandar por mail para uma empresa de comunicações que pedia vendedores de cartões de telemóveis em part-time, à entrada do politécnico. Disse-me que estava limpo.


Escreveu-me num papel para depois eu organizar os dados

C.V.

7º ano de escolaridade

Funcionário de Fábrica de pneus – 1995-1997
Mascote de uma óptica – Para atrair clientes que passavam na rua para a óptica – Verão de 1998.
Cortador de Carne em Salsicharia – 1998-2002.

Os outros foram pequenos trabalhos que não valorizavam o currículo.


*Relato a partir de uma história real numa penitenciária do norte da cidade do México - Teotihuacan: Do terraço da prisão conseguem-se ver as pirâmides do Sol e da Lua. O Currículum Vitae de Crocodilo é ficção.

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