domingo, novembro 01, 2009

Para o meu amante, de regresso à sua mulher

Ela está toda ali
Ela derreteu-se cuidadosamente para ti
moldou-se desde a tua infância,
moldou-se a partir das tuas cem colegiais favoritas

Ela esteve sempre ali, meu querido,
ela é de facto requintada,
fogo-de-artifício no monótono meio de Fevereiro
e tão real como uma caçarola de ferro fundido

Encaremos o facto, tenho sido um momento
de luxúria. Um aviso vermelho brilhante no porto.
O meu cabelo subindo como fumo da janela do carro.
Amêijoas fora de estação.
Ela é mais do que isso. Ela é o teu ter por ter,
fez desenvolver o teu prático e tropical crescimento.
Isto não é uma experiência. Ela é toda harmonia.
Ela olha para os remos e toletes das baleeiras,

colocou flores silvestres à janela ao pequeno-almoço,
ei-la sentada no torno do oleiro ao meio-dia,
pôs cá fora três crianças ao luar,
três querubins desenhados por Miguel Ângelo,
fez isto com as suas pernas abertas
nos terríveis meses na capela.
Se deres uma vista de olhos, as crianças estão ali
como delicados balões suspensos no tecto.

Ela trazia também cada uma para o hall
depois da ceia, as cabeças inclinadas por respeito,
duas pernas protestando, pessoa a pessoa,
a face corada com uma canção e o seu sono.

Devolvo-te o teu coração.
Dou-te permissão –
para o rastilho dentro dela, palpitante
iradamente na lama, para a cabra nela
e o enterro da sua ferida –
para o enterro da sua pequena e vermelha ferida

para o pálido e trémulo fulgor debaixo das costelas,
para o marinheiro bêbedo que espera no seu pulso esquerdo,
para o colo da mãe, para as meias,
para o cinto de ligas, para a chamada –
a curiosa chamada
quando desapareceres e braços e seios
e puxares a fita cor de laranja nos cabelos dela
e responderes à chamada, a curiosa chamada.

Ela é tão nua e singular.
Ela é a soma de ti e do teu sonho.
Escala-a como um monumento, passo a passo.
Ela é sólida.

Quanto a mim, sou uma aguarela.
Diluo-me.

- Anne Sexton

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