sexta-feira, junho 26, 2009

Rasganço (2001)


Aproveitando o último post que deixei nesta gaveta, vou voltar a falar de um filme português e que, tal como esse, não é do João Mário Grilo.

O filme chama-se Rasganço que, segundo percebi, é uma tradição da Universidade de Coimbra que implica rasgar roupa e tal e, de outro ponto de vista, é aquilo que alguém devia ter feito à fita deste filme antes de ela ter ido para editar. Mas não vale a pena ir já tão rápido ao ataque, primeiro vou explicar que circunstâncias estranhas me levaram ao visionamento deste filme.

Há uns meses dei por mim numa sala de cinema a ver um filme baseado num livrito daquela senhora que deu aulas de modéstia - e segundo consta betão armado nível II - ao nosso primeiro-ministro. Dá pelo nome de Corte do Norte e todas as personagens que interessam para a coisa são feitas pela Ana Moreira. Dias depois tive uma ideia: parar de dar papéis ao Nicolau Breyner em todos os filmes portugueses e começar a dá-los à Ana Moreira. Para provar aos meus amigos cépticos e ao meu gato que eu estava certo, baixei a tampa da sanita, lavei as mãos e fui à Fnac comprar todos os filmes em que a Ana Moreira entrou, certo de que isso me ajudaria a escrever um artigo tão convincente que todos os realizadores portugueses e mais o João Mário Grilo e o António Pedro Vasconcelos passariam a ter sempre um papel para ela. E calhou ser este o primeiro desses filmes que vi.

Falando agora do filme. Para que entendam o tipo, imaginem o Rules of Atraction (o livro, não o filme) ambientado em Coimbra a acasalar com um Dexter ranhoso e fajuto. A criança que sairia dessa união, caso o parceiro feminino desta dupla fosse militante do CDS-PP ou do PPM, chamar-se-ia Rasganço de Raquel Freire.
E a história até nem tinha que dar em tanta estupidez. Conta-nos o drama dum jovem que chega a Coimbra com o sonho de estudar na Universa mas que rápido se apercebe que Coimbra é uma cidade elitista e que nunca vai conseguir concretizar o seu sonho. Então o que é que ele faz? Arranja um emprego nas obras? Escreve uma carta ao Presidente da República? Inicia um blogue e uma revista de poesia? Não! O que ele faz é desatar a violar moças que estudam na Universidade e a escrever a canivete no peito delas coisas que simbolizam a Universidade de Coimbra tipo U e AAC. Faz todo o sentido, não faz?

Mas sobre esta pérola do argumento, duas coisas. Primeiro, é nestas cenas de violação e facada que a realizadora aproveita para nos mostrar os seios das várias moças que entram no filme. Desta forma, Raquel Freire mostra-nos que é uma ávida consumidora do melhor cinema francês. Segundo, as tais siglas de que falei - U e AAC - são exactamente as primeiras que o violador rasga no peito das meninas. Duas violações depois somos presenteados com a perspicácia detectivesca do reitor da Universidade que conclui que certamente se trata de alguém que tem algo contra a Universidade. Segundos depois o mesmo reitor descobre que a berguilha das calças serve para evitar que o seu pénis ande a sair para fora das calças.

E por falar em perspicácia detectivesca, também entram uns agentes da PJ no filme. Como é que eu sei? Bom, primeiro porque estive com atenção ao filme e acho que isso até se percebe bem. Mas a maior pista nesse sentido foi o facto de todos eles usarem blusões de ganga largos. Toda a gente sabe que todos os agentes da PJ, pelo menos nos filmes e séries de televisão em Portugal, usam blusões de ganga largos.

1 comentário:

Pedro Jordão disse...

Dá jeito saber que o filme em causa, para além da inanidade cinematográfica que claramente é, só pode ser uma vingança cómica da realizadora sobre a Coimbra em que estudou e de onde deve ter saído com um problema mal resolvido. Para quem estudou em Coimbra e nunca ligou nenhuma às tradições académicas, como é o meu caso, sabe que ela montou uma realidade alternativa que, de tão patética, provoca mais facilmente o riso do que a indignação (o que de facto aconteceu na sala de cinema na altura).

Não é preciso conhecer Coimbra para se saber que já não estamos no século XIX e que não faz sentido falar em elitismo numa universidade pública, nem para reconhecer que os pormenores dos raptos das moças são risíveis. Mas talvez seja preciso conhecer Coimbra para se ter noção da adulteração que a coitada faz da realidade, inventando uma cidade onde anda tudo trajado (no quotidiano não se vê ninguém, por acaso), onde tudo está, incluindo uma mera festa, vedado aos que não são estudantes (a verdade é que é difícil encontrar sítio mais permissivo), entre outros apontamentos fascinantes. Enfim, uma pérola.