domingo, novembro 02, 2008

More die of heartbreak

morrem mais de mágoa do que por radiações nucleares
mas cá nos entretemos nós com activismos piolhosos,
enquanto isso, em muitos lares, escrever nos vidros
continua a ser a única separação entre vida e morte,
carta que salva uma mão de ferir outra ou de se perder
neste mal-estar perante as luzes ou uma fotografia antiga.
A tua "ingenuidade" – paternalismo que concedes às lágrimas -
é o escudo possível diante da sequência mecânica dos dias,
um resquício de inocência em que apoias os cotovelos
e o medo. Ou a capa de um guarda-chuva que compraste
para perderes pouco depois de perderes o isqueiro,
pouco antes de perderes o último laço com a mulher que amas
e de quem não sabes mais do que duas estações de metro.

O metro, apesar de subterrâneo, não cobre todos os teus receios
e não podes garantir que não é teu, por exemplo,
o cadáver na cama de hospital, embalado pelo eco dos pingos de soro,
que não sendo reclamado dentro das vinte e quatro horas legais,
seguirá para a ordem de São Roque; um enterro e um pai-nosso
enfim, não matam mais do que ninguém contar uma hora
(ou qualquer que seja o tempo que leva a encher um cinzeiro)
da tua vida. Rezas e bocejos não matam mais do que a lista telefónica
que tens no quarto de subúrbio e que usas para encher os espaços
entre a tua solidão e a solidão a pagar da miúda a que ligaste.

Afinal, o que é isso de “matar mais?”, pergunta um académico na sala;
um outro homem responde dizendo:
- Às nossas lareiras, uma gravata numa ventoinha resume um homem
ou a cobardia, acrescentarão os avós (e à lareira somos todos avós).
E o académico, que além disso é um suicida em potência, abandona a sala.
Felizmente para ele, não leva gravata; tinha, contudo, uma marca de bâton
debaixo do colarinho e uma chave de quarto de hotel no bolso.

4 comentários:

Daniel Abrunheiro disse...

tão bem.

Tatiana Faia disse...

do caraças,meu jovem, que é uma metonimia para de qualidade (sendo que do caraças é uma parte da qualidade, entenda-se)como de um modo geral a larga maioria dos posts deste blog, pelo que o elogio se estende a todos (e em agradecimento ao comentário que o Sr. Diogo Vaz Pinto deixou há alguns dias no meu blog).
cordial e sinceramente,

Diogo Vaz Pinto disse...

Deixa o senhor de lado Tatiana.
Parabéns António, um abraço.

Artur Corvelo disse...

obrigado