Não tenho, para ser sincero,
muita simpatia por aquele rapaz
de óculos escuros que roubava livros
em Santarém. Rapou o cabelo,
decorou páginas inteiras de Genet,
sem que nada percebesse do amor.
E, no entanto, é ele que me pede agora
contas da vida que não vivi - esse
náufrago de espelhos abolidos e
de noites sem saída. Esse rosto imberbe
que finjo reconhecer ao longe.
Talvez lhe pudesse simplesmente
dizer: ao menos não engordei,
cretino, e escrevi mais poemas
do que tu alguma vez sonhaste.
Mas ele riposta, impecável:
não te voltarão a chamar rapaz.
Deves-me todos os poemas que escreveste.
- Manuel de Freitas
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