sábado, fevereiro 16, 2008

last song

Hey, even the Mona Lisa's falling apart.


estamos livres, livres demais e tristes como os pássaros
aliviados do peso das suas asas. se pudesses olhar para mim
do lado de fora desta estrofe, verias a descaracterização do rosto que conheceste
o desespero completo do sorriso que me resta, o sorriso com que eu vou
seguir em frente

nesta hora entrega-se tudo, apunhalamos as memórias
e fica a sensação de que os nossos corpos perderam o sentido,
no peito o que arde é um coração de esferovite, pobre plástico
- veio uma onda e alisou no chão os nossos castelos de areia -
desta vez ninguém fez as malas, não houve um último beijo
e o que foi que tínhamos prometido?

com o passar dos dias damo-nos conta
de que não é tanto o sorriso que perdemos mas, com o tempo,
são os dentes que vão caindo e apodrecendo, depois
aquele sorriso que foi sinónimo da vida que nos esperava
torna-se mais um espelho
onde a morte, vaidosa, se vem mirar.

desistimos de todos os nossos bens hipotecados
liquidamos o património de afectos que consolidámos
cortamos as linhas do telefone,
todos os contactos e objectos da nossa lembrança
como se estivéssemos a entrar num programa de desintoxicação
desmanchamos o altar, escondemos os resíduos da paixão
pagamos o preço que for preciso para resgatar
a vida sentimental que ainda nos reste

tudo agora são estradas secundárias, lugares, músicas, filmes
e gavetas que temos que evitar. a alma ficou um pouco
mais dura, como uma pedra no sapato
vamos ter que aprender a mentir e a acreditar de novo,
haveremos de conhecer outras maneiras de suster a respiração
e teremos mãos e lábios para mais mortíferos corpos de passar o tempo.
a sinopse da nossa longa metragem dirá que este foi o último filme
de um realizador que acreditava no amor - o nosso
foi o amor possível - agora talvez nos viremos para outro género.

quanto a mim, acho que foi quando disseste
que nesta vida nunca mais te veria,
foi só aí que percebi que isto já não podia ser
uma cena de um filme em que tudo acaba bem
e eu também já não era o personagem que vai viver feliz para sempre
mas apenas outro actor. é estranho como aos vinte e dois anos
podemos começar a morrer.

dispensam-se os créditos finais, tu talvez ainda recebas o óscar
eu por outro lado nem vou pisar a passarela, fico em casa
arrumo estas notas entre outras
menos auto-biográficas, e continuo a viciar a vida
para que as coisas mais difíceis acabem assim
em versos simples e poemas inúteis.



I'll see you in another life when we are both cats

4 comentários:

Nuno disse...

muito bem, diogo.
e como diria o Desmond (Lost): I'll see you in another life, brother!

um abraço

S.A.L. disse...

Completamente Desnecessário...
Whatever.

Artur Corvelo disse...

sem as peneiras, sem os pretensiosismo dos medíocres, com o balanço e o equilíbrio de um escritor consumado. Confesso que te hei-de te seguir como modelo daquilo que é ou deve ser um (grande) poeta. Parabéns

Unknown disse...

“No dia ou a noite em que, por fim, chegássemos, deveríamos queimar os barcos, assim ninguém terá a tentação de voltar”. M.B.
Muito bom, mesmo!