Chegaram de lugares suficientemente longínquos
para serem interessantes, quase fantásticos,
tinham estórias sobre fama e celebridade, riqueza
e, melhor que tudo, felicidade. Já sabiam demasiado,
traziam contagiantes gestos de alegria postiça
e grandes razões para as coisas mais inexplicáveis.
Da morte nem falaram, sabiam mais da vida
que se lhe seguia, não perderam muito tempo
antes de começarem a tratar todos por tu,
e do silêncio conheciam muito bem a teoria
mas dificilmente chegavam à prática.
Exibiram-se enquanto se sentiram como novidades,
depois cansaram-se de nós ou deles mesmos
e partiram talvez para um outro lugar
onde lhes achem alguma graça.
No dia em que partiram, comentámos
os seus vistosos sapatos, depois disso já não tínhamos
mais nada para comentar e calámo-nos de volta.
No dia seguinte calçámos os nossos vulgares sapatos sem destino,
ajeitámos as nossas desinteressantes figuras em frente ao espelho
e apercebemo-nos mais uma vez que a solidão não é um lugar
tão inóspito como nos querem fazer crer.
Depois do almoço demos um passeio, ficámos
tempo suficiente só a olhar, como figuras
num quadro de Van Gogh, para as árvores em flor.
De regresso a casa encontrámos pelo caminho
dois maltrapilhos que haviam desistido de esperar
por um tal Godot e que gritavam um com o outro
por cima da fome e do cansaço. Nada de novo.
Estavam agora a meio de uma discussão sobre bons
e maus. Um distinguia o bom do mau, o outro dizia
que o mau é igual ao bom, calhando ao bom a sorte
de ter todo o tempo para se explicar e talvez
mais jeito para convencer, "porque afinal
a verdade é qualquer coisa que pertence só
ao seu público". Enquanto público foi este último
o que mais nos convenceu, mas apesar do espectáculo
nem por isso os convidámos para jantar. E assim
fomos embora praticando o silêncio que é ainda aquilo
que menos nos aborrece.
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