terça-feira, janeiro 22, 2008

Texas

O nome que mais lhe convinha
existe hoje tão pouco como ela.
Nunca se saberá quem lho terá dado,
mas as portas, de saloon, justificavam-no.
Ficava mesmo em frente à escola
que um dia explodiu e se tornou notícia,
desfigurando para sempre
rostos poucas horas antes desejados.

Sombria, absurdamente comprida,
era um reino a que vou ter de chamar mítico.
Hesitávamos ainda entre os rebuçados,
os caramelos e os vinhos espessos
que os homens bebiam de pé, sem falar,
de um só trago. «À cowboy», dizíamos.
No final de cada período escolar, a tentação
tornava-se mais forte. Os veteranos
ofereciam-se para financiar a pequena
queda, o primitivo vómito, e nós, estultos,
tínhamos uma curiosidade mórbida
de saber onde ficava, por exemplo, o fígado.

Aos treze, finalmente, entrei para beber vinho,
como os homens (a única mulher servia
ao balcão, calada e distante, protegida por lentes
um pouco mais grossas do que o mundo).
Não queria, não quero ainda, ser homem.
Mas beber - e beber, forçosamente, álcool -
era a única maneira de permanecer numa taberna assim.
Os rebuçados e os caramelos tinham os dias contados.

Difíceis, escusado dizer, os brancos riscados
de branco (ainda haverá desses copos?)
que nem à força de gasosa faziam esquecer
o paraíso inócuo das guloseimas. Talvez o vinho
não fosse grande coisa, e afligia-me a obrigação
pretensamente viril de o beber de um trago.
O resultado, de qualquer modo, foi calamitoso.
Vomitava cada vez mais, no princípio da manhã,
quando começava a morte. Quem se iria lembrar
de construir uma escola num baldio que ficava
entre uma taberna e o tranquilo Museu do Vinho?
A resposta é inesperada: um pacto luso-americano
para financiar uma escola-modelo, tão boa
que até explodiu com pessoas dentro
que não fugiram, algumas, a tempo de o recordarem.

Não lamento, porém, a impossibilidade de voltar
a amar a sombra, entre barris de vários tamanhos.
Pesa-me, isso sim, haver um corpo envelhecido
que deixou de encontrar esquecimento, alegria ou
náusea nos copos de vidro grosso que nenhum
milagre transformará em rebuçados, caramelos

- quando já nem a morte tem para nós sabor.

- Manuel de Freitas

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