
Vivemos sob a alba de um rasgo mental de diabólicas convicções
agredimos a esquizofrenia do sujeito atingindo-o na vaidade
mas nós mesmos não nos isentamos dessa fragilidade
somos os seres de que se fazem as verdadeiras revoluções
e a única palavra que nos cala é a que serve para desferir o golpe visual
de uma estrada sem limite, um caminho que não termina numa descrição livresca,
abandonámos as nossas casas no dia em que nos sentaram à mesa
para nos falarem das contas que o futuro teria para nós
«agora» é uma espécie de mote, um vício ou um hábito que gostamos de preservar
somos os girassóis enlouquecidos de luz, não precisamos que nos reguem
a chuva sabe onde estamos, só somos diferentes na medida em que
temos menos ambições para nós do que as que temos para o mundo,
não vamos perder muito tempo com enunciados escatológicos
nem com o estudo das particularidades químicas que levam tantos
a abandonarem a perspectiva do homem para justificarem a do animal,
sim, o amor e a paixão, também temos disso, mas o importante seria
que não se desse de barato que o mundo é como é e não há grande coisa a fazer
não aceitamos essa rendição sem reservas de todas as ideias
e utopias que nos aceleraram o ritmo cardíaco, só apetece vomitar
de cada vez que alguém diz, sem nem hesitar, que não espera mudar o mundo,
se há coisa que queremos é mudar o mundo, infectar a sua esterilidade asséptica,
perfurar o hermetismo das deambulações de corpos programados e deprimidos
que mancham os circuitos diurnos de uma cidade envolvida em plástico negro,
queremos formar os clubes nocturnos reunidos na penumbra dos sótãos
traçando a giz no chão os planos da contra-ofensiva que merece
esta cultura de consolos que negligencia e absorve a tendência errante do espírito.
A esta hora, como em qualquer outra, na frequência da apatia transmitem-se
ininterruptamente episódios da fome ou o reprise de sucessos como as novelas do genocídio
a guerra continua a servir de inspiração aos guionistas das produções hollywoodescas
já que é preciso adaptar a verdade, este público com verdadeiro poder de compra
vai exigindo de uma forma ou de outra os seus finais felizes,
os canais que espalham a tele-dependência só vendem delírios inócuos,
sonhos despegados do mundo, além da fama e celebridade que os imbecis esperam
para embalar o conteúdo escasso de inteligências muito pouco activas,
todos as noites se ouvem gritos e alguns corpos caem inertes na contagem
dos nossos inexpressivos suicídios, por outro lado, nas ruas
são as divisões da alegria que marcham ao som dos hits mais populares
dói-nos o orgulho folclórico com que a multidão festeja as suas derrotas
vestindo de cores o cinzento triste de serem todos tão semelhantes,
dói-nos a euforia desta mistura homogénea percorrendo os jardins artificias
da metrópole, dói-nos enquanto assistimos por trás das janelas pendurando
a fragilidade dos nossos sorrisos mais doentes
antes de nos retirarmos recordamos que estamos juntos porque no essencial
estamos de acordo, prezamos acima de tudo as nossas diferenças.
Escrevemos as palavras que o dia nos merece e discutimos os pormenores
da viagem que estamos prestes a fazer,
antes de nos despedirmos ainda há uma voz que pergunta:
"Alguém sabe onde pára o velho Dean Moriarty?"
A resposta é simples: não vale a pena perdermos mais tempo,
se ele anda por aí havemos de nos cruzar com ele.
1 comentário:
a ultima vez q ouvi falar dele ia a guiar que nem um louco esfomeado de volta à outra costa ter com outra das inflamadas paixões dele, todos temos um neil cassidy dentro de nós!!!!
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