quarta-feira, janeiro 30, 2008

Ciência que nos escapa

Pouca coisa para se traduzir, como dizer
as imagens que decantam no olhar, a redun-
dância de todas estas desolações - direi os pombos
por ali naquelas deambulações que serão interpretadas
por uma ciência qualquer que de todo me escapa
ou desinteressa. Simplifico a compreensão
com a qual espreito de longe para tudo e nada,
instintos, flutuações, humores, tudo é uma pedra
que se apanha e se usa na construção da torre
mais e mais alta onde nos sumimos.

Vejo daqui (ou invento, para o poema
pouca diferença faz) um ardina que declama
parangonas, vende jornais e vai decorando
o nome das ruas, o seu emaranhado de versos,
a perplexa noção de uma poesia desinspirada
que se escreve a partir de recortes dos diários
de intimidades perpendiculares e sincopadas,
percorrendo a língua de asfalto que nos conduz a todos
às habitações do degredo, aos buracos
onde se cumprem as dívidas. A expiação do crime
de estarmos vivos.

Acende-se um cigarro, descasca-se uma laranja,
serve-se um copo de água da torneira, tudo acontece
à distância. À distância move-se o corpo
nesta terceira pessoa do plural entorpecido,
onde se está embalando a consciência de um ou outro
momento. Uma casa das máquinas com muitos botões
alguns bips e bops, intermitências, luzes que piscam porque sim
e de alguns quarteirões mais abaixo vem o som de um com-
boio que chega ou que parte (ou que nem existe), aproveita
só à contagem de um número cansativo de percepções
que se sobrepõem, se confundem, se anulam. Algures
no meio disto alguém vai abrir a boca um pouco mais,
para suspender um bocejo.

Troquemos esta boca por outra, menos palavras,
talvez se prefigure um sorriso ou se apanhe um beijo, mas
de mãos dadas ou soltas, riscando ou seguindo o mapa,
as ruas não bifurcam mais vezes e sempre depois desta
há uma outra onde se pousar um pombo iremos vê-lo a circular
de acordo com os princípios da mesma ciência que continua
a escapar ou a desinteressar-nos.

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