sexta-feira, junho 15, 2007

Desculpas

A poesia está a tomar conta deste blogue, e não é por mal.
Acontece, são fases... Não consigo coçar esta comichão para fora da minha cabeça neste momento. Refugio-me do massacre que é para mim ter que levantar o Código Civil do chão e deambular no desinteresse dos artigos à procura das respostas que lá estão enfiadas no sistema perfeito, sombrio, chato. É quase um cliché passar pelo curso de Direito e dizer muito mal de tudo nele, desde os professores até aos tais calhamaços e o ambiente da faculdade (que é como a rua onde os desconhecidos se cruzam, mas ali enfiados entre paredes de pedra fria), mas eu realmente fui para lá porque tropecei e quando dei por mim já tinha perdido ali muito tempo. Eu dou mais valor ao tempo que a um curso e não estava disposto a tropeçar outra vez, noutro sítio qualquer por isso não fiz as malas. Detesto o meu curso mas é a única coisa simples na minha vida - tenho que o acabar e pronto.
A poesia aparece no meio disto como provavelmente acontece com a maioria das pessoas que são esbofeteadas com palavras sólidas empregues em estruturas a preto e branco. Depois de um tempo quem sente algum apelo pela linguagem e pelas mensagens acaba por colorir os espacinhos entre o preto e o branco e é assim que um curso insípido e demasiado sistemático ajuda a endireitar com dolorosa disciplina a espinha dorsal de alguém que se sente ligado às verdadeiras normas humanísticas.
(Aviso: Eles podem tentar enganar-vos com tretas e podem pôr-se com conversa de vendedor mas a verdade é que este curso é a coisa mais rígida e menos estimulante ou criativa que o Homem podia ter organizado. Aliás é mesmo função do Direito arregimentar as tendências tortas dos homens e fazê-los alinhar numa organização que torne possível a convivência entre as nossas bestas.)

A poesia surge assim como uma luz no fim do túnel ou uma distracção... e eu estou demasiado ansioso para me distrair disto. Se tiver que calcular as minhas chances diria que tenho 20% de hipóteses de passar de ano e isso coloca-me (novamente!) na mais profunda sensação de desequílibrio em relação a mim mesmo... Sempre fui demasiado condescendente e a poesia é, admitamos, uma excelente desculpa.

Deixando o que vai comigo e voltando ao que tem vindo aqui pelo blogue, acho que estamos a entrar demasiadamente dentro de um género, a poesia. Sei que a poesia é vasta demais para que quem a lê possa à partida sentir que isto é uma limitação mas a verdade é que não queria que este fosse um blogue de poemas. O que tem acontecido é que estou interessado e se gosto de uma coisa ou várias, de um autor ou vários, espeto tudo de uma assentada aqui e depois fico à espera que percebam que isto não é um canal de televisão e que faz parte de ser um bom leitor de blogues o saber cirandar pelos arquivos e tentar achar o que mais interessa.
De qualquer das maneiras não estou muito preocupado. Tenho vindo a conhecer pedaços de texto belíssimos e é como se o fizesse porque quero construir alguma coisa de imediato. E esta árvore que eu rego todos os dias só faz sentido num jardim que tem vista para a rua... Para que quem passe do lado de fora possa ver cá para dentro e apreciar as folhas que crescem verdes e fortes.

O blogue está a escassos dias de completar os doze meses e já por esta altura no ano passado a razão pela qual tivemos um arranque tão furioso foi porque eu sentia esta necessidade de fugir de casa mas ter-me-ía sentido pior por não estar confinado, assim arranjei este esquema de sair sem me soltar.

Por agora o blogue está assim, o ciclo cumpriu-se e estou mais ou menos no mesmo lugar mas envelheci um ano.
Morri mais um ano e quero acreditar que estou um passo mais perto do céu.

5 comentários:

José disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Nuno disse...

...A verdade é que NINGUÉM consegue passar indiferente ao Direito: ou se gosta ou se odeia! :p eu cá já gosto, passei a fase da negação e da aversão, e vou por aí, mais confiante. Acho que faz parte: ninguém adora o direito assim de repente, e o domínio da linguagem, da abstracção e do espaço lógico dos problemas são, em si, verdadeiros problemas, que nem todos conseguem ultrapassar no primeiro ano.

E ali o José tem razão, especialmente no 3º parágrafo - muito bem!

Tito Rendas disse...

Caro Diogo,

De há uns dias a esta parte que tenho vindo a visitar regularmente o teu blog, por sugestão de uma amiga (a Ana, amiga da tua irmã Leonor). Não raras vezes aprouve-me comentar um ou outro post, mas foi este que, finalmente, suscitou o parecer que se segue, pela familiariedade com que algumas das tuas palavras se fizeram soar em mim.

Tal como o Nuno, também eu gosto do curso que frequento (o de Direito, igualmente) e fui lá parar por opção livre e consciente. Porém, não me vou pôr com a tal lenga-lenga do vendedor e dizer maravilhas do meu curso, porque, e apesar de não fazer parte do extenso grupo dos meus colegas que o esmigalham, reconheço todos os defeitos que lhe são inerentes.

Um colega meu que muito estimo pretende fazer carreira no Cinema - um ramo substancialmente mais criativo que o Direito. No outro dia, visivelmente perturbado com o facto de ele estar a estudar algo que não "quer" (ou melhor, de não estar a estudar para aquilo que ele realmente quer), perguntei-lhe: "Então mas se a tua ambição é o Cinema, o que é que tu estás aqui a fazer?"

Da sua resposta retiravam-se diversas conclusões, algumas delas que tu próprio já retiraste.

A criatividade, o sonho, a divagação têm como principal característica o facto de serem ocasionais, esporádicos, de não serem permanentes. Todo o seu valor advém da sua não-constância. De facto, por mais que gostássemos, e sob pena de sermos rotulados de "doidos varridos", a vida não pode ser um deambulo criativo interminável.

Onde é que eu quero chegar com esta história toda? A minha ideia (acoplando-lhe as tuas conclusões e as do meu amigo) é de que toda a tua inspiração e todo o teu impulso criativo, de onde provém o teu gosto pela poesia (que se traduz tanto na tua vontade de a ler e citar, como também de a escrever), têm origem, em grande parte, nos tentáculos envolventes do curso de Direito.

Não quero com isto dizer que o nosso curso é bom porque é mau. Não. Não é certamente um curso que puxe pela imaginação e pelo espírito criativo. Mas é um curso que te mantém com os pés bem assentes na Terra e que te abre perspectivas bem realistas sobre a vida. Na minha óptica, é essa rotina dextra que faz com que as tuas horas vagas sintam a urgente necessidade de se preencherem com versos livres dos tentáculos jurídicos...

Não quero que vejas nestas palavras um comentário carregado de pretensiosismo. O meu objectivo não é dar a solução mágica para os problemas que se te levantam nesta dura época de exames. É simplesmente uma forma alternativa de os encarar, vinda de alguém que se encontra numa situação algo semelhante. Eu próprio vejo o meu desejo criativo limitado pelo tempo e fluidez que o curso de Direito me rouba (embora este meu desejo se manifeste talvez de maneira diversa, porque já não escrevo poesia há bastante tempo). Mas, enfim, há que saber transformar as adversidades em trunfos preciosos, como diz o José.

A minha principal crítica ao teu blog era, de facto, o largo domínio que o estilo poético sobre ele exerce. Fica, então, sem efeito, porque tu próprio o reconheceste.

De resto, tenho a dar-te os parabéns por alguns dos teus poemas (bastante inspiradores) e pelo bom gosto demonstrado nas "poesias de fora". Ah e pedir desculpa pela extensão do comentário...

Diogo Vaz Pinto disse...

Primeiro quero dizer ao José que tenho pena que ele comente e em seguida apague os seus comentários que por vezes eu nem chego a ler. Este li-o e é pena que não possa relê-lo mas... O josé sabe o que faz.

O Nuno apareceu aqui também há pouco tempo, escreve poesia e boa e eu já o convidei para vir escrever aqui no blogue mas ele nem me respondeu. Espero que agora possa pensar nisso.

Quanto ao último comentário - Tito, já me tinham dito que também escreves e muito bem e não sabia que passavas por aqui...
Entendo cada linha e palavra do teu texto e quero que saibas que também eu como tu e os outros todos só escrevo com certas partes de mim, estas partes que escrevem não gostam do meu curso de Direito e demasiadas vezes desvalorizam-no, isso não quer dizer que eu o faça sempre.
Eu gosto do meu curso porque o detesto e isto é poéticamente louvável mas também é conversa de gente parva, eu sei... Eu sinto que o meu curso me refreia e me pede uma disciplina que é coisa que sempre me faltou. É uma espécie de amigo/familiar que não me larga embora não tenhamos muito assunto de conversa - simplesmente ele passa-me lições com o silêncio dele e com a falta de abraços que me dá... Contudo acredita que eu dava tudo por um abraço caloroso deste curso, acredito que se ele me chamasse eu podia ser um jurista apaixonado. Mas não sou, talvez venha a ser, ou talvez venha a fazer o que gosto: Cinema, sim cinema.

Estou ligado ao teatro e à música e embora ainda não tenha asas em nenhum desses céus sei que me agradam e tenho vontade...

O curso de direito é o meu defeito que eu tenho que ultrapassar e isso é hoje primordial.

Vou continuar a escrever por aqui e gostava de me refugiar menos na poesia mas de alguma maneira sinto que estou a tentar polir uma obra e por isso dedico-me assim.

Um abraço

José disse...
Este comentário foi removido pelo autor.