sexta-feira, fevereiro 04, 2022


Vejo por um olho que trago embebido
numa poção imunda,
coisa velha que embalo desde a infância,
e se me lembra, páro, agito, bebo dois goles,
meto de volta ao bolso, podem passar
uns anos sem que venha de lá outra onda, 
até que um balanço, um cheiro íntimo
me atravesse e faça ferver a imaginação.
Asas entre lérias e lendas cozem ali
no lume de um vício antigo
herdado talvez de um antepassado malsão,
alguma cena sórdida só para entreter,
um arroubo enforcado na braguilha.
Ser assolado assim por uns joelhos, púbis,
umbigo, ateando toda esta desordem,
puxando fogo a todos os meus papéis.
Quando o meu era ainda um cadáver fresco,
cheio de ilusões, era isto o que ambicionava,
ouvindo o murmúrio das coisas lá em cima,
um som de estrelas a roçar-se nas antenas.
As noites pareciam-se com navios,
se chovia pouco importava,
era uma música burilada no telheiro.
Seguiam-nos por toda a parte as breves
borboletas do vinho, flores batendo palmas
como dizia o de la Serna. Dava a sensação
que tínhamos entrado pela morte dando ordens,
zombando de tudo. Para trás ficava a vida...
e escutando-a daqui que mal nos soa:
pecados a menos, virtudes tão modestas,
demasiadas sombras ameaçando rasgar o pano,
mas nunca nada nem ninguém o puxa.
E depois o vento cala-se.


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