quinta-feira, novembro 18, 2021


Também o ódio reza
e nesta terra a verdadeira devoção
só a têm provado os inimigos.
São os jornais do inferno os únicos
onde damos ainda com versos capazes
de estrangular quem os lê,
mas para chegar até aí
clamar o título como poetas e pugilistas,
temos de estudar os muros
ir pela volta mais larga. Ganha-se mais
naquela parte do mundo tomada pelas águas,
para seguir a narração com o dedo
sobre a feérie das cicatrizes que nos dão a volta,
tudo muito contado, unhas negras,
idades de insecto, aquele gosto rude do rum
a balouçar o convés da atenção de quem ouve,
e assim também a luz que comove os bêbedos,
todos os que sabem o horário dos anjos
e os esperam para pedir cigarros,
roubar-lhes a mesada.
Aquele que eu seria se fosse mais homem
tem uma corda presa ao fundo da noite,
gosta de sentir as veias dilatadas
pelo ar exausto que sucede as tempestades
e invadir o miolo da antiguidade
cantando-lhe os triunfos e as maldições.
Desenha cada sopro de ar com grandes gestos,
sabe da velha vibração musical
e larga como cães cada juízo dilacerante,
sempre novo, gozando esse crime de andar
com uma frase a que disputarão todos os dentes.
Acena a límpidos comboios que zunem
nos limites da cidade,
e conhece os poços onde se desce
para se falar à morte de uma mulher.
Há uma altura em que um corpo nos atira
para a cegueira, em que a abelha cai
deliciada na sua armadilha,
e o veneno mais íntimo
se volta sobre si como uma partitura,
subimos tão alto por umas poucas notas,
como os seres que choram a perfeição
dos lugares onde se escondem, 
e comemos de mãos azuis os restos
de um vento que desatou aquele nó
que prendia o céu à terra.


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