domingo, março 28, 2021


Alguns ouvimos o escuro,
seus trejeitos e pesares, a digestão que faz,
o resumo final de tons, das coisas arrancadas
maduras, e logo explicadas à fome,
caia a mais um broto de flor
que me abra o esqueleto,
lancem na terra um gole de vinho ou cerveja,
no mais baixo, mais negro, este suspirando
ao ouvido dos mortos memórias misturadas,
canções nas línguas quebradas cujas raízes
provaram há muito a sombra dos deuses,
cospe dessa altura a semente da tua indiferença,
dela retirarei o gosto vivo do que nos separa,
a escala em que soa hoje
o admirável tremor do tempo,
e devagar o meu corpo crescerá
de roda de um único som,
forjando o seu sino de tudo
o que lhe resista. Assim,
mais que tributos, um pouco de mijo
com a sua coroa de espuma sobre a terra 
enquanto por baixo nos humedece os lábios
abertos enfim entre dois séculos, isso trará
como dantes a sensação de estarmos vivos,
o encanto grosseiro e o riso deste mundo,
aquilo que aos anjos serve de escândalo,
esta rejeição com que desenhámos
tão vasto recreio, e que penas suportámos,
que inspiração infernal
na hora de nos defendermos da imobilidade,
ligando os nervos à imaginação, 
daí os suores, os terrores e a própria noite
que é inteiramente dos homens,
o génio desta natureza traiçoeira,
a sua música desolada,
e como nos escondemos,
preferindo a cegueira a sermos apertados
contra o peito vazio dos imortais.

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