terça-feira, agosto 04, 2020

Merda formalíssima

 

Antes desta merda formalíssima que vigora no regime audiovisual, essa estética abotoadinha que tresanda a bafio, com uns jovens formados em cursos da treta, onde aprendem todo o lixo das gerais consciências mais caninas, antes disto tudo éramos mais livres, mais honrosamente pobres, sem esses disfarces, esses estúdios com o ar de naves, sem essas batas mediáticas dos que administram injecções de verdade, cheios do seu rigor e objectividade, essas mistificações que os idiotas adoram, éramos mais frágeis, mais angulosos, mais desamparados, mas tínhamos pelo menos a alegria de quem assume erros próprios, de quem arrisca a esparrela, o naufrágio em directo, capaz de falar em nome de si ao outro, como uma comunicação feita entre civilizações, com essa capacidade de se espantar imensamente, de apresentar-se, dizer ao que se vem e não cavar de imediato, não fazer que sim com a cabeça a tudo, ao que quer que seja, com esse ar dos enterrados, dos enforcados, como essas antas que presumem falar de coisas de cultura na televisão, poesia e o raio, e que nos lembram dos padres, dos piores professores de liceu que tivemos, essa gente desgraçada que finge ensinar-nos alguma coisa mas que não faz mais que estar ali insistentemente a regar as plantas raquíticas que medram no vazio, enquanto perdemos o mundo fora dessas salas de aula, dessa morgue espalhada por toda a parte.

 

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