domingo, julho 01, 2018


A casca de lado e o que não se comeu
e as dores de barriga da paisagem
tudo doce e mal escrito, tinta fresca
deitando um largo leve contorno
ao que vi por essas ruas de volta
das cinco da tarde, uma beleza
que dói num órgão que nos falta
os ossos vivos amarrados com flores
largava atrás se pudesse mas faltava-me então
o dom violento e o raio duro louco doendo
uma canção furtiva entredentes
a inclinar os caminhos antes
ainda da presa cheirar a própria morte

e o corpo dela em quantos degraus
descendo-me pela memória, mas o cheiro
é que foi de uma paciência
como se pôs brincando comigo
ainda deixou rastro tão fresco desses
de que um corpo se levanta logo que a noite ferve

nem loucura nem espanto te deixam
dormir ou descansar
enobrecido de errar por aí a
emboscar pássaros colher cerejas maduras
o sangue faz-se forte de tudo
coisas que ouviu depois de certas horas
sopros a que um se prende, o mais
que se herda, como algum bosque em movimento
caminhos desses ladeados por uma velhice rude
deitando suspiros pela boca da morte
(eu o que lhe peço é que tombe sem som
nada desse arrasto débil e receoso
talvez que a última mão ainda me coce
enxote a mosca). É-se radiografado
nalguns lugares, o pó esboça vultos
acenando cada um a quem os segue

o coração parece miúdo, diz tudo errado
a medo ameaçado monta um ritmo brusco
tomando de ouvido, indo às velhas canções pagãs
na refrega de tudo o que enfraquece a luz
parando junto das águas turvas um pouco abaixo
do ponto onde se lavam as raparigas
fazendo sair das sombras jovens deuses brutais
e acordamos com a boca cheia de água
e ela já não existe tão certa das suas voltas
como abrasa apavora e nos consome
e acumula e cospe e escorre, como um vento
que desse do outro lado, longe do resto
esse obsceno peso doce na imaginação
nos ombros, que se nos força e lembra
que no paraíso um homem entra de joelhos.

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