quarta-feira, junho 27, 2018

O éter — uma introdução


O homem tem uma necessidade desconhecida. Tem necessidade de fraqueza. É por isso que a continência, doença do excesso de força, lhe é especialmente intolerável.
Desta ou daquela maneira, precisa de ser vencido. Cada qual arrasta em si um Cristo.
No auge de si mesmo, no cume da sua forma, o homem tenta ser derribado. Impaciente, parte para a guerra e a Morte por fim o alivia.
É ilusão crer que o homem senhor de uma grande força sexual terá, pelo menos ele, o sentimento e o sabor da força. Ai dele, porque mais ardorosamente ainda que um outro ansioso por desbaratar as suas forças, como se corresse o perigo de se ver asfixiado por elas, rodeia-se de mulheres, esperando delas a redenção. De facto aquilo com que sonha é cair de escantilhão na mais inteira fraqueza e de nisso se dispensar das suas últimas forças, e de si mesmo, por assim dizer, de tal maneira sente que a personalidade, caso lhe reste alguma, é ainda uma força de que precisa aliviar-se.
Ora, sendo com certeza provável que depare com o amor, já é menos provável, depois de o experimentar, que ele abandone este patamar por muito tempo. Acontece a um ou outro, todavia, desejar perder ainda mais o seu Eu, aspirando a despojar-se, a tiritar no nada (ou no todo). É verdade que o homem embarca em muitos navios, mas é para ali que quer rumar.
Obstinando-se ele na continência, como desfazer-se então das suas forças e atingir a calma?
Prostrado, recorre ao éter.
Símbolo e atalho do acto de partir e da aniquilação, ambos desejados.

- Henri Michaux 
in O retiro pelo risco (antologia)
retirado daqui

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