sábado, abril 28, 2018

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António Barahona surge aí, às tantas, sem o cordão sanitário em volta, sem vir no papel do alienígena, o desfasado, antes focado no seu tempo, Janeiro de 1975, em entrevista do canal público. Preto sobre o branco, a luz meio estourada, um tom bem raspado, cru, directo, e nem as solenidades nem os arrebiques hoje indispensáveis, com os planos de montra de loja e esse envernizado dos comerciáveis. Hoje, não há cá poesia da boca dos poetas, rudes da cólera, agitados, coçando o invisível, tem de passar tudo pelos pivots da causa, uns bonecos a aprimorar o currículo à margem da telenovela, os focinhos mais larocas do jornalismo, sempre tão intensos segurando o brilhozinho nos olhos. E os versos têm de vir já com a lição estudada nisso de cair mas é no goto da dondoca, em doses afeitas à toma diária, pílulas bem douradas prescritas para atenuar os efeitos da menopausa (andropausa também), vir no balanço do salamaleque, e fazer companhia que nem lulus de trazer ao colo. Daqui por umas décadas, se alguém olhasse, que veria? Estes rostos gémeos dos rostos dos anúncios, esta superfície tão regular, o nenhum atrito entre a publicidade, o slogan e o verso.

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