Tudo o que nos foge está perdido
um bando que nos escape
mexe-nos com o sangue, alarga o campo
põe de volta os sentidos sobre a mesa
força a que os ouçamos a todos
o pulso arrebatando o vento
os cascos inebriando a terra debaixo
há tempo para tudo, voltar-se na cadeira
afiar entre os joelhos a seta
retesar o arco entrançando o cheiro
nos tendões da madeira fria
sentir o ar arreganhando as distâncias
até que o golpe fira um órgão
e encha a boca do gosto da carne
da falha anterior, diria hoje
que antes nos faltava o ouvido
para essas subtilezas atrozes
uma luz inquisitiva passava por nós
mastigando pássaros, piava igual a eles
agora sim, damos por nós pedindo o casaco
ao investigador, servindo-lhe chá
lendo-lhe as notas por cima do ombro
as cores têm outro alcance
incansáveis sugerindo novas pistas
passámos mal e depois de longas ausências
regiões afastadas, as suaves lâmpadas
tremem rodando a chave
dos grandes tumultos na nossa cabeça
um pouco além das tempestades
ainda escutamos as vozes
são claros os afogados, o mar
não apaga nada, tem milénios nos cadernos
e as condições certas são as mínimas
o sono serve, à fome damos-lhe espaço
reduzindo a um mínimo os gestos, a um susto
a suspeita que nos leva pelas mais furiosas
sequências, essa gota de abismo
servida a cada um, mais e mais regular
fazendo tremer o quarto
a solidão solta os seus longos
corredores, caçamos em certos ângulos
eficazes como as aranhas, pacientes
como elas, deixando às presas
a invenção das nossas armas
pelintras orgulhosos sereníssimos
misturando tintas
sarnentos pintores do fantástico
da realidade são mais os caprichos
que nos inspiram
sôfregos, buscamos os nossos acidentes
a pouca luz do rosto e como
cortando a barba ao espelho
uma cicatriz canta, diz-nos daquela vez
em que um pouco mais à esquerda
e tínhamos ido desta para pior
teriam ficado de testemunho
só as sórdidas confissões anteriores
a luz fundida, os dedos entrelaçados
sobre o peito, lá dentro o cemitério
onde enterráramos a vida inteira
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