Um perfume entorna a boca da memória,
olhos escuros, indo
como se crescessem ainda
sobre distâncias de cegueira.
Árvores sem vida,
os galhos como um velho arquivo
de pássaros banais,
e a luz cortada
dos caminhos em que sentimos
a curvatura da terra.
Ficando tarde,
os candeeiros suspensos, balouçam,
gemem nestes bairros
onde perduram alguns da geração
das varandas, indiferentemente
elevados sobre um tempo que nunca
lhes disse grande coisa.
Sangue antigo
que o coração já só coça,
e de que aos poucos se enjoa,
mas bate ainda, mais por hábito
que por gosto.
Debaixo das estrelas,
da sua adorável dispersão,
estas demoras mais sombra já
que corpo, trocos com que a alma
se desfaz em soluços
entre morosos vinhos
e canções sem vergonha, só doçura.
Aí estão, caídos e dispersos,
como se os deuses
houvessem virado os bolsos
e pago outra noite à dor.
O copo deixa-te um reflexo
no fundo,
os dedos que o envolvem longos
como presságios.
A sumária inscrição de néones,
o assobio num ânimo compositor
e cada um dos teus passos
a que os grilos
vão deixando reticências.
Fazes assim essa linha
entre a espera magoada
dos antigos cafés
e os bares que esquinam
com a nociva idade do desejo.
Tudo o que já quiseste,
tudo o que quererás alguma vez.
Um traço de mel no sangue,
um verso onde ameigar a tarde,
e acabar os dias de roupão,
atrás desse comboio de corda.
Passar mais tempo
à varanda, regar umas flores,
vigiar a rua
enquanto pensas mais e mais
na morte
sem entender a diferença.
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