domingo, outubro 15, 2017


Pelo caminho mais curto, vem e perde-se,
a desfiar o astro, chocalhar a bússola
entre o carnívoro pó da terra,
atento às coisas do vento,
como se fora esperado, chega
acompanhado pelas rosas migradoras,
ali onde cresce a árvore
que guarda a distância do real.

Os frutos cairão muito mais tarde
num campo sagrado.
Algures um sino lembra essa vizinhança
que o afadiga tanto.
De joelhos, escuta a água,
um galope de esbatidos rumores.
Olha com a força antiga de quem
vê nas coisas um rastro comovedor:
um regador, um rastelo abandonado
no campo, esse labirinto de restos
à beira de um poço, das casas
firmes na sua adesão à pedra.

Pede a voz, os gestos de quem se ausentou.
Pede licença, empurra com o peso do corpo
o que sirva de porta para algum mistério.
A luz de cabeça deitada na mesa,
dedos esticados para um copo meio bebido
a absorver o menor tremor.
Tantos dias, talvez semanas nisto,
é possível que um gole só
faça balançar a região inteira.

Trouxe-o a sede de um cego,
um murmúrio como uma doença.
Internado, tirava duas gotas de tinta
de uma flor, das partes de um escaravelho
fazia o seu pequeno estúdio e
tombava para o interior do seu talento:
nomes trocando o gosto
entre fantasia e treva, tão fundo
quanto dois olhos alcançam.
À mesa lendo ecos uns aos outros,
cosendo um novo com o que dos restantes
lhe perturbasse o sangue,
um suspiro atravessando corpos,
ouro pilhado de épocas inteiras.

Do grito quebra-se um galho e um pássaro
leva o pressentimento de outra estação.
Longe dos homens,
vamos ao sabor de raivas, cansaços,
como assassinos relutantes,
de corpo quase perdido, fazendo pontaria.
Esquivos uma hora, ferozes na seguinte,
guiando na aragem certos sinais,
caminhamos para a vida que nos assusta,
onde a noite estende a cadeira a um velho
e os dois se falam,
menos sobre o dia que passou
do que sobre esse estremecimento
que lhes resta.

Sem comentários: