segunda-feira, outubro 16, 2017


El único argumento es ya el de la mirada. 
J. M. Caballero Bonald


Estar aqui sem que ninguém o saiba
tem a sua mecânica.
O meu silêncio não é nada.
Braços cruzados
e a mão com que coço o mundo
fica aí, fria e indiferente.

Dentro da garrafa
onde me quebro e perco pé
noutra destas noites ansiosas,
sirvo reflexos
que levantam o mesmo copo e se saúdam.

Embriagado de imagens,
dominado por altíssimos impulsos
(though this be madness there is method in it),
gelo de cada vez que me apanho
a falar sozinho.

Nos dias mais fracos, dando conversa
a fantasmas (sempre lúcidos),
vem-me esta vergonha de conservar a vida,
de ter oferecido a sombras os melhores anos.

Sabendo que a verdade de um homem
não lhe serve de nada
e é o seu erro
que lhe exige todas as forças,
cada um ergue à sua volta
uma pátria de circunstância.

Tudo está aqui.
Temos as nossas causas nobres
e lances amorosos,
trocamos beijos e instruções,
sexo e esquecimento.
Mas persiste a sensação
de que não passamos de cadáveres
segurando rosas.
Corpos esquivos entrelaçados
por delírios sombrios.
Neutras, indolentes figuras
que a navalha da loucura afia
e a beleza imita.

Quando nos sentamos descalços
e sem camisa, o silêncio
chega-se e cheira-nos as palmas
voltadas sobre a mesa nocturna,
pedindo um verso que perdure
como um baloiço entre ruínas.

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