Rui Manuel Amaral / «Notas sobre "Lançamento": Diana»
Em “Diana”, um dos poemas mais bonitos de “Lançamento”,
Margarida Vale de Gato cita o que a grande poeta Marianne Moore dizia
da poesia: “Eu cá também não gosto, há mais coisas além deste
desconchavo.” Alguns versos depois: “Mais importa observar ou designar?”
Portanto - isto sou eu agora a dizer -, é mais importante a vida ou a
poesia? A realidade ou a imaginação? Os acontecimentos ou a memória que
formamos a partir deles? Apetece colocar aspas em todas estas palavras
como se fossem asas para levantarem voo. Porque não há apenas “vida” ou
apenas “poesia”, as duas coisas são a mesma. A mesma coisa
contraditória, inexplicável, bela e monstruosa. Não é possível escolher
entre a vida e a poesia, nenhuma das duas é mais ou menos importante.
Mais à frente ainda: “Portanto sirvo mal, sou outra, fora/ do baralho,
turista aqui em tanto/ do que me dá prazer e algum trabalho.” E a razão
de tudo isto, de toda esta impossibilidade, reside na mais prosaica das
causas: a morte. Diante da morte, nada nos salva, tudo se torna
insignificante. “Se insisto/ à minha pouca escala nisto eu/ é porque não
desligo e toco e falho/ no material à vista, língua/ crua clara em
bruto céu.” A poesia não salva, nada resolve, será sempre um falhanço,
mas é também uma forma poderosa de enganar um pouco a morte.
***
Não se trata de uma qualquer espécie de fé, quer dizer, de acreditar que
a poesia pode ajudar a dar um sentido ao mundo. Estamos condenados a
não ir além do meio do caminho. Mas a imaginação e a poesia são o que
nos resta, com elas somos capazes de dar nomes às coisas. Dar nomes às
coisas é a nossa maneira de olhar no escuro, ver debaixo de água turva. É
a nossa maneira de perceber a morte.
- Rui Manuel Amaral
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