quinta-feira, junho 23, 2016


A tarde desce com cada
um dos seus pássaros frágeis,
com as mãos cerca
a brisa prisioneira desta dança outonal
num jardim em miniatura.
O corpo, a alagada respiração,
num arrasto comovido,
sente debaixo dos pés
o ressoar de antigas tempestades,
poços de sombra
em que o tempo se escuta.

Maneiras antigas de dizer
o mundo, nesta era
em que é a queda a única flor.

De que caminho se cuida
voltando mais tarde a casa,
aguardando a noite
e o seu eco de cascos de cavalos
desaparecidos

trazendo com eles
o que resta dos contos de fadas.

Dias melhores te lembram
atravessando o corredor com todos
os trejeitos de uma canção,
enxugando o cabelo na toalha,
os lábios entretidos
com uma letra que a esta distância
já não se consegue ler.

Assim, surdos, quase cegos,
somos estranhas lembranças
porque incompletas,
tristes enigmas que não se dão
qualquer resposta.
Esse corpo e a sua história
em que fica
tantas vezes difícil adormecer,
sussurrando a meu lado, alheada,
cheia de reticências,
tristes lugares comuns
para encher o vazio
.

Enfim,
o meu nome escapa-lhe da boca
e de tão ferido nem me reconhece.
De boca aberta deito-me
como se esperasse encontrar
a palavra que desenhe a curva
sobre todo este tempo.


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