quinta-feira, novembro 13, 2014

Estações


O inverno
nos pensamentos que temos um do outro
e eu recordo
a forma como uma outra mulher me
olhou como se eu fosse a coisa
mais insignificante à face da terra
e eu era de certa forma era
a minha própria existência terminada
e o verão a aproximar-se aos poucos
para preencher na cabeça dela o meu vazio
Para o fim do inverno
antes da altura do degelo
o açafrão bulia ao preparar
o subterrâneo para a sua entrada primaveril em cena
Eu diminuía e crescia mais:
todas as coisas insignificantes me afectam na época própria
todos esses resquícios de memória
puídos pelo vento e transparentes
vistos do outro lado do agora
como se eu estivesse a olhar para ti
para lá de uma espécie de cortinado
e tu estivesses a olhar para mim
de um outro cortinado
à medida que tudo diminuía
e crescia mais

O verão chegou tarde nesse ano
os pássaros pareciam desnorteados
perguntando-se pela neve
que alguns nunca tinham visto
o gelo atapetava o litoral
produzindo tinidos ínfimos
como que a dar as boas-vindas
mas o vento soprava mais frio
e eles enviavam recados
a parentes mais a sul
a dizer "Não venham"
Não fez diferença
o olho vermelho da doninha tremeluzia
as raposas caçavam e os caçadores humanos
sopravam as mãos tremendo
Encolhíamo-nos junto do aquecedor
sem falarmos
Eu poderia ter dito
"Porque é que me odeias?"
mas seria inútil
resmungávamos com os olhos

Que eu caia num grande esquecimento
e pensando bem
desejo ser
anónimo como um pingo de chuva
ligeiramente desviado a afastar-se
do sol na queda talvez
ao encontro dos ossos magros
das asas de um pássaro entre os cedros
um pássaro que poderá ter pensado
"ai ai — ai ai — ai ai"
antes de morrer
que eu caia num grande esquecimento
enquanto a neve vai descendo do sol vermelho
como mil milhares de flores
até que as nossas pegadas se cubram

- Al Purdy 
(tradução de Vasco Gato)

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