Utilizei a palavra
"talentoso" no sentido que você interpretou (o da astúcia), mas
também no sentido da manipulação muito hábil, sem medo do artifício e do jogo
das palavras, o que é o contrário de toda a eloquência patética de uma boa
parte da poesia (sobretudo, a poesia lírica). E talentoso, ainda, no jogo com
as referências literárias, no modo como as visita de maneira muito livre e sem
se curvar diante delas.
Há,
certamente, um lado malsão, possivelmente intimidatório ou até instigador de
repulsa decorrente desse tipo de texto que não se deixa aprisionar facilmente.
Não o faço como programa, não é um ethos
que eu determine à partida como se de um arquitexto se tratasse. Ou seja, não é
minha intenção alienar ninguém nessa recepção, embora não ignore essa
possibilidade. O texto escolhe os seus leitores, é, para usar um tipo de
teologia literária, determinista, já constituiu os seus eleitos – os seus
‘eleitores’ –, mas no sentido arminiano, não calvinista. Em todo o caso, não
procedo às margens de uma certa ética. E não me parece que muitos textos sejam
assim tão tóxicos. Penso que se alguma coisa define o que faço é uma certa
heresia heterodoxa em que tudo é convidado a entrar. E creio que alguma da
minha poesia é razoavelmente imediata, instantaneamente refrescante, digamos
assim. Quando falou em “contra a interpretação”, levou-me para o ensaio de
Sontag. No meu caso acho desejável que a importância espiritual da arte ande de
braço dado com a importância intelectual. O problema é que quando o intelecto
que dela usufrui se dá por frustrado denigre ou aborrece a arte em claro
despeito. Gostava até que a minha poesia obedecesse ao motto da guitarra de Woody Guthrie “This machine kills fascists”,
tomando por fascistas um tipo de leitores, diria de beletristas bordadeiras. Há
leitores cujo reaccionarismo se verifica na sua reacção despeitada proveniente
da interpretação falhada. Estão sempre à espera de uma certa compensação
erótica. Aliás, a poesia deixou de dar trabalho, deixou de ser um tipo de
linguagem de tal maneira concentrada, como, por exemplo, apontava M. S.
Lourenço no seu livro “Os degraus de Parnaso”, quando a comparava à linguagem
do sonho. Sem querer correr o risco de parecer edificante, penso que a poesia
deveria ser capaz de formar, inscrever, modificar, vitaminar, exercitar, ser uma
lenha sempre combustível e nunca extinta. É, se quiser, um problema matemático,
um quebra-cabeças. Lá voltamos nós ao nosso jogo… Mas, como digo, o que me move
não é um serviço de tonificação neuronal. Há pouco referiu Hölderlin. Todo
aquele bonapartismo romântico representava para muita gente uma leitura
dissociada da mentalidade vigente, uma linguagem próxima da loucura.
Acrescento-lhe Wordsworth. Movimentos aparentemente simples que em nada chocam
a nossa psicologia actual e que seriam à época tão ilegíveis que seriam capazes
de relegar verdadeiros monstros poéticos para o alfarrábio. Por favor não leia
por isto que me ocorre posicionar-me neste tipo de linhagem extraordinária. E,
de qualquer maneira, Portugal é sempre um ferrete de humildade, lembra-nos
sempre o nosso lugar. Não, o que digo é que a poesia nunca faz sentido na sua
acepção hierática, profética. São palavras que não têm qualquer tipo de
utilidade no zeitgeist. Talvez a
sugestão seja de que estejamos perante um texto estrangeiro. Os chamados
leitores de poesia são, não poucas vezes, leitores rancorosos, senão
reaccionários, como chamei, que alienam preventivamente aqueles por quem julgam
poderem vir a ser alienados. Exemplo máximo disto são poetas que lêem poetas.
Mas em todo o caso a poesia não tem sentido. Não é que não faça sentido, note,
mas não tem sentido. E é, não raramente, uma descarga purulenta de matéria
residual de espíritos nervosos, obsessivos e algo abstractos. Wallace Stevens,
por exemplo, é um ponto máximo de abstracção. Quando temos de tomar o “árabe”
por “lua” percebemos o seu potencial dispersivo. Se podemos chamar a isso
malvadez estética, não sei. Ashbery outro. Aliás, ele formulou isso muito bem,
ao dizer qualquer coisa como ‘por um lado sou um dos escritores mais conceituados
e lidos da actualidade, por outro ninguém me compreende.’ Não sei se lhe
respondo, mas espero ter pelo menos percebido a pergunta.
Quando diz que "A poesia deixou de dar trabalho" está a
referir-se - muito criticamente, aliás - à tarefa do poeta, isto é, de muitos
poetas actuais. Mas, nas suas palavras, a tarefa do leitor também merece um
forte correctivo. Posso convidá-lo a entrar mais fundo nesta questão, que o
levará certamente a falar da recepção e crítica da poesia?
Tal como há vários
tipos de poetas, vários são os tipos de leitores, interessados nos seus poetas
tal como os poetas estão, por sua vez, interessados nos seus leitores. Um poeta
escreve sempre para o seu leitor, independentemente do velho disclaimer, que na verdade se tornou uma
espécie de mantra autoral, que professa escrever o poeta apenas para si
próprio, assumindo aliás uma proverbial má disposição ensimesmada, um tipo de
Ebenezer Scrooge, que pode ter o seu quê de encantatório mas é pouco
verificável. Aliás, esse interlocutor com quem o poeta se corresponde é, na
verdade, ele mesmo, na medida em que o leitor reflecte, justamente, o seu poeta
de eleição. Em todo o caso, e no que toca à tarefa de um leitor especializado, um leitor virtuoso, um
pouco na esteira do pensamento do crítico inglês Matthew Arnold, para quem a
verdadeira arte deixaria de fora toda a sorte de charlatanismo, na medida em
que o único critério da poesia seria apurar o que de melhor foi escrito e
pensado ao longo dos tempos, tal leitor deveria ser capaz de identificar a
poesia capaz, já que a poesia deveria constituir-se um exemplo de virtude,
indicando-nos um caminho intelectual para um modelo de formação humana do
indivíduo nas suas valências intelectuais, morais e de cidadania. Convenhamos
que nada poderia estar mais longe das preocupações dos leitores actuais.
Ninguém lê poesia para tentar perceber como orientar a sua vida. A poesia é, no
nosso espaço público, e não obstante aquela litania bastante politiqueira que
diz que Portugal é um país de poetas, um parente pobre dessa descrição de
Arnold. Sem crítica literária capaz a produção poética é, no mínimo,
embaraçante e sem produção poética virtuosa a crítica formadora não é viável. O
lugar da poesia está confinado a umas urnas cinzentas com tribos mais ou menos
identificadas, ligeiramente saturninas e com os seus leitores mal alimentados.
De resto, para lá desses lugares de holocausto e os seus sacerdotes, a crítica
há muito acabou e o que nos resta são umas recensões anódinas que se limitam a
parasitar apologeticamente nos cadáveres que exumam. O que vemos nós senão
recensões que passam por crítica? E o mais das vezes essas recensões são uma
paráfrase intolerável daquilo que avaliam. O próprio objecto a avaliar torna-se
a sua avaliação, o próprio produto é a sua descrição mercantil, um tipo de
sinopse disfuncional, normalmente benemérita. A tarefa de um leitor capaz
passaria, em certo sentido, por inviabilizar a poesia nefasta e descartável,
uma poesia replicadora de modelos limitados. Mas esse leitor deveria ser
formado por um poeta (no sentido forte) que o chamasse a existir através de
estímulos intelectuais exigentes. Os identificadores de profetas, uma espécie
de Baptistas na sua virtude máxima ou de São Paulos apostólicos na sua
contingência histórica, não têm lugar no nosso sistema pagão. O primeiro é,
evidentemente, prestigiado no sentido em que é um profeta que profetiza
profetas e que, não tendo o lastro histórico em que se apoiar, tem o condão de
identificar grandes astros coevos, o que é sempre mais difícil do que
identificar astros passados. Ora, a recepção da poesia no nosso espaço
revela-nos que muitos são os charlatães. Eu creio que esse debate está em todo
o caso deteriorado e não concebe fugas àquilo a que chamaria um plano nacional
de empobrecimento cultural coercivo.
Apetece-me reagir, ao que acaba de dizer, com aquele grito que a Madame de
Merteuil lança numa carta ao Valmont: "É a guerra!". Já lá vamos,
podemos regressar mais tarde que ela ainda estará em curso. Se ousei evocar tão
pérfida personagem, a Madame de Merteuil, não foi tanto por causa da sua
resposta cheia de perfídia, mas porque a sua poesia tem algo de libertino e,
com o seu ligeiro acento anacrónico e pouco puritano, faz-me pensar muito mais
no século XVIII do que em qualquer declinação mais modernista. Desdenha deste
comentário?
De todo. Consigo
ver facilmente a razão pela qual me coloca fora da órbita do discurso poético
da actualidade. Talvez a minha forma de profetizar seja a contrario pela via de um protesto anacrónico. Embora não o faça
intencionalmente. Mas talvez essa seja uma razão para a minha eventual
expatriação. Em todo o caso parece-me que o que faço visita várias ermidas, mas
percebo perfeitamente a sua formulação, embora, curiosamente, o século XVIII é
talvez o menos visitado das minhas leituras. Não posso, pois, dizer que a minha
libertinagem radique num consumo setecentista, e talvez por isso a sua observação
seja ainda mais acertada. Não preciso de consumir aquilo que sou!
Um profeta
voltado para o passado, era como o Schlegel (ei-lo, outra vez) definia o
historiador. O poeta, esse, passou há mais de um século a responder ao
imperativo: "il faut être absolument moderne". Não vai certamente
dizer que é impermeável a tal injunção de Rimbaud. Do que é que se sente,
afinal, contemporâneo?
Para responder sem
medo de falhar diria que me sinto contemporâneo de mim. Em todo o caso um
profeta que lê o passado não é inteiramente infalível, tal como a história nos
diz e a reapreciação canónica a que ciclicamente são votados os poetas também.
No caso da injunção de Rimbaud ela faz confundir poética com fúria juvenil, uma
juventude inquieta cuja produção poética é uma descarga violenta de
testosterona. Mas essa descarga seminal pode ser incrivelmente classicista. O
gerador de muito da minha poesia – e acentuadamente anacrónica – teve essa
rebeldia sem causa como leitmotiv. A
poesia é uma forma de nos estamparmos de mota na segurança do lar. Em relação à
minha contemporaneidade a resposta seria claramente imprecisa. Quando afirmo
que sou contemporâneo de mim apresento-me como um heterodoxo de uma religião
unipessoal. Os meus interesses são semelhantes às minhas leituras conscientes e
ignoradas, aos meus socalcos psicológicos, aos meus humores isabelinos. O
poliedro resultante disto pode ser uma questão de estilo ou um problema clínico.
Mas para não fugir radicalmente à minha autodescrição, poderia dizer que me sinto
tão contemporâneo de Ossip Mandelstam como de Yeats, de Cinatti como de
Ungaretti, ou seja, as leituras e as pátrias mentais e cronológicas são tão
diversas que não é simplesmente possível fazer esse género de cartografia, isto
para me ater somente à influência estrita de poetas. Sou é bastante mimético.
Uma leitura pode despoletar em mim uma transmigração imediata. É um motor de
arranque bastante eficaz. Em todo o caso, a coerência formal ou cronológica não
é para mim uma necessidade. Posso tanto fazer odes a urnas como entrar numa
espécie de transe neo-futurista espasmódico. Quando for classificável estarei
morto.
Talvez seja honesto - qualidade que não sei se
é pertinente nas coisas da literatura - informar os
leitores de que, por ausência do entrevistador, primeiro, e depois do
entrevistado, este diálogo esteve suspenso por mais de duas semanas. Tempo
suficiente para inflectir-lhe o rumo, não acha? Ou, pelo menos, para introduzir
uma questão da ordem da meta-entrevista: já tinha pensado alguma vez na entrevista
ao escritor como um género, com as suas convenções e preceitos? Com a sua
teatralidade?
Já tinha evidentemente fruído desse género sem
saber que era muito legitimamente um género. Agora sim, passarei a entendê-lo
como tal! Fico muito contente por fazer parte da génese de um, vis-à-vis com o seu criador! Talvez aqui
aquilo a que chama teatralidade tenha que ver com o facto de a distância
cronológica e física poder introduzir um valor de literário. Embora no momento
em que eu respondo à sua pergunta o faça de rajada e sem intervenção de grandes
pausas editoriais ou intervenções de cosmética posterior. Pareceu-me que
deveria ser essa a política a adoptar. Mas apercebo-me de que ainda assim possamos
ferir um certo valor ético em benefício de um plano estético. E porventura essa
dimensão esteja no carácter diferido desta entrevista em concreto. Em todo o
caso não deixa de ser entusiasmante estarmos a discutir questões de género
dentro de um, o que nos aproximaria também de um lado ensaístico. As entrevistas,
aliás, têm algo de socrático, sendo uma espécie de passeio peripatético. O
francês leva-me para a entretien e
não consigo deixar de pensar que tudo isto é entretenimento e a própria poesia
o é também. Na verdade, o poeta é, de algum modo, um “entertainer”.
Seguindo a sua ideia, talvez seja possível traçar duas vias, na história da
poesia, que se vão cruzando, alternando e combatendo: a poesia como
entretenimento e a poesia que transporta consigo todo o peso do mundo e os
abismos do sujeito. Ou seja, a poesia que se situa do lado da comédia e a que
está do lado do trágico. Parece-me que você se situa mais do primeiro lado, sem
deixar no entanto de espreitar o campo oposto. Em suma: é um poeta devasso que
gosta de ter presente as regras puritanas...
Ou seja, coloca-me do lado dos devassos que chegam a fingir que é dor a dor
que deveras sentem. Mas não enjeito essa arrumação. Pareço, de resto, estar a
afectar a poesia a duas grandes vias, a via excruciante do sofrimento
hermenêutico e a via bela do cândido desprendimento, que é a do entretenimento.
Embora possam parecer divergentes elas são perfeitamente complementares. E
neste ponto regressamos ao jogo e à componente lúdica. Há de facto um lado
perverso de pulverização de enunciados na minha poesia. E se ali puder esconder
verdadeiros abismos do ser, como diz, num arrazoado aparentemente devasso, isso
resulta de uma espécie de endurance
evangélico. Por exemplo, quando Jesus exorta quem jejua a mostrar não um rosto
macerado pela penitência alimentar mas antes uma cara lavada e enxuta,
implicando que o sofrimento não deve ser visível, tal como quem ora deve orar
no seu quarto fechado, e não à vista de todos em arremedos dramáticos nas
sinagogas, batendo com os punhos no peito. Creio que parte da devassidão que
resulta da minha poesia nasce de certa forma deste entendimento espartano. Há
também o outro lado, em que me induzo um estado inicialmente postiço de
sofrimento – e digo inicialmente postiço no sentido em que essa auto-indução
acaba ela própria por viabilizar o estado psíquico pretendido – de modo a poder
abrir um canal que faculte a erupção criativa. Há poetas cuja alucinação chega
ao ponto de imaginarem um desastre pessoal preventivo de forma a experimentarem
um dado estado melancólico onde incubam a verve que procuram. Nesse aspecto
tudo é cómico e devasso. Certamente me incluo neste grupo.
Tentemos fazer uma
pergunta que opere um zoom sobre um poema deste seu último livro. Esse
poema chama-se "Passageiro Frequente" (que é também o título do
livro). Aí encontramos qualquer coisa que não é habitual na sua poesia e a que
poderíamos chamar "imaginação sociológica". Digamos que este seu
"passageiro frequente" surge como que caracterizado socialmente. E
então começamos a perceber (mas talvez neste livro isso seja mais evidente do
que nos anteriores) que a sua poesia está impregnada de realidade social e
urbana e que você também tem algo de "poeta lírico no apogeu do
capitalismo". Até o spleen está lá...
Isso está de alguma
forma presente no contraponto entre os poemas “Paralelepípedos espelhados”, que
aponta para as catedrais monólitas e monocromáticas da City, e “Paredes de vidro”, choramingando as lágrimas de luz das
catedrais góticas. Concordo com o que diz, embora me imagine mais um poeta
lírico no apogeu da industrialização. Daí o spleen.
Talvez isto responda com mais precisão àquilo que interiormente descreve uma
boa parte do que faço. Há um lado decadentista, no sentido de final, um ruir de
um certo romantismo serôdio que assiste à electrificação de tudo. Mas o meu spleen é nostálgico. Ele opera como um
lamento por um não-lugar, porém não utópico, antes utópico pela sua dissolução,
porventura ectópico. Quer dizer que a minha melancolia assenta as suas raízes
fora do seu tempo, relativamente indiferente a desagregações contemporâneas,
antes ressentindo-se ainda de desagregações antigas de edifícios idealizados. O
“passageiro frequente” tem que ver com esta instância de um grau de
volatilidade tão frequente que justamente pela sua frequência se torna estável.
Tal como de um corpo que transita frequentemente de um lado para o outro
podemos dizer que adquiriu uma certa estabilidade, como um electrão por
exemplo. O tempo foi o mediador dessa passagem que se tornou estável. Este
lamento é observado também na violência que é imposta a um romântico que é
obrigado a assistir ao declínio do seu lirismo diante das botas lustrosas e
inflexíveis do realismo capitalista, como diz.
Há um momento, em
qualquer entrevista, em que temos de decidir: "vamos terminar aqui".
Eis então, a última pergunta, que só é possível porque tenho agora um
entendimento da sua poesia diferente daquele que tinha quando iniciámos esta
troca: ela é atravessada por forças, movimentos, tropismo contraditórios. Que
tempo é o dela? E que tempo é o seu, que se define como um romântico
serôdio? Eu diria que é um tard venu, alguém que não coincide
exactamente com o seu século...
Precisamente. Os
poetas são, aliás, seres proverbialmente estranhos ao seu mundo, ou por
temporões ou por serôdios, entes deslocalizados cuja sensibilidade se manifesta
na sua linguagem que é sempre expressão do seu desacordo com o século. Diria,
aliás, que isso, de certo modo, é um definidor de poesia, esse linguajar
estranho ao nosso mundo, quase pentecostal. O poeta, não importa qual a sua
estirpe, é marcado por um sinete em brasa, por vezes encomiasticamente, por
vezes depreciativamente. Essa marca aponta aquele gado como pertencendo a
outras pastagens. As pastagens são linguísticas. Quando se diz de alguém, ainda
que derrogatoriamente, que “é um poeta” ou que teve uma saída à “poeta”,
fala-se de linguagem e do efeito de frases e do que as frases podem fazer por nós
e pelo nosso conceito de mundo, ou seja, fazem coisas que a linguagem
quotidiana não é capaz de fazer. Há frases ou versos que devem ser apreciados
como o vinho. Claro que há versos que são maus vinhos. Mas não queria evitar a
pergunta, antes dizer que não tenho a certeza de que o tempo da minha poesia
seja o meu. Por vezes pareço habitar numa região lógica pouco compatível com
aquilo que faço nas regiões das musas. Dizer que regiões são essas, a que tempo
pertencem, di-lo-á o carbono 14 exegético que deve ser ocupação de quem me lê.
Mas certamente será arriscado situarem-me. Em todo o caso, a vaga personagem de
“Passageiro frequente” é “tardiamente chegado”. Esse tard venu não é tão visível ainda neste livro. Talvez se surpreenda
aqui com mais facilidade por uma questão de conseguirmos reconhecer mais
facilmente um ethos deslocado num
enunciado moderno ou contemporâneo. Talvez o próximo livro – novamente
formalmente preso em cápsulas de sonetos – possa clarificar ou pulverizar ainda
mais esta questão de identidade.
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