quinta-feira, agosto 29, 2013


volto ao trabalho de escrever a deserção, embora me não doa como antigamente, quanto tu não chegavas e havia países a que chamávamos destinos, hoje, a fuga é por entre flores senis e pessoas que respondem aos nossos apelos com desculpas meigas, artifícios de desinteresse, meu querido, fizemos uma peregrinação às vozes e tornámo-nos mais limpos no seu interior, encontrámos caminhos que não pensáramos existir, todavia não tivemos a coragem de com eles nos confundirmos, no tempo da separação não identificámos os seus sinais e persistimos ainda pela morte um do outro em casa, a mulher no limiar das suas raivas, sem o futuro a que chamam destino, alinha, no parapeito da varanda, vasos de avenca, ódios ofuscantes, eu decidi encerrar todas as salas nas suas maldições e excluir-me dos seus percursos, para que ouças o telefone retinir no mofo, no calor insalubre da decomposição dos móveis e paredes, das tintas e vidros, entregues a ninguém os olhar. A casa fechada no exterior da espera
     ela pergunta-me: o que queres fazer?
     eu respondo: estar tão atento que tudo o que aconteça seja, mesmo remoto, um seu sinal
     ela diz-me: como deves sofrer
 e eu odeio-a, porque vive na vigilância da minha dor, moldando-se à sua orografia
     grito-lhe: vai-te embora, emigra para os teus olhos malfazejos, desaparece nesse circular sítio nenhum que me vê.


- Rui Nunes
in Osculatriz, Relógio D´Água

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