Ainda seguimos os fogos
cultivados de noite por homens que lêem
para se salvar
temos lido uns para os outros
na busca das coisas mais ofensivas,
tudo quanto possa
compensar-nos destas vidas,
da total falta de brilho da época.
Já não temos clientes, e agora só
atraímos os indígenas do fundo do poço.
Tocamos o vidro e as mãos, fazemos
perguntas, olhamo-nos
pelo reflexo,
acenamos a esses estranhos
prestes a serem esquecidos.
Parece uma boa altura para beber
com verdadeiro afinco,
despenhar-me junto dos vasos,
arrastar-me pela casa como uma estrela
moribunda, abrir a janela e
pedir milagres, ouvir o vento dizer
que sim.
Ponho os envelopes na mesa, leio
os cantos das cartas,
das fotografias, vejo o quarto como era
quando ela deslocava sinais na pele
como lhe apetecia,
e falava baixo, gerando um favor
silencioso ao seu redor.
Não retirávamos as flores antes
de se parecerem com fósforos ardidos.
A essa luz vi o avesso do mundo, e fui
a sensação de ser miúdo já tarde,
de nos ouvir tão próximos os passos
compondo a noite, decorando detalhes,
e depois lendo as cartas ressuscitei
a mesma chama sagrada
e parece-me que ainda nos oiço falar
uma língua cada vez mais estranha,
e gosto de medir a expansão do universo
através desta distância.