Entre o barulho acha-se hoje uma epopeia
nos ruídos que se perseguem, entre as frases
abertas como navalhas, ou neste copo
que me deixa nos lábios o gosto
de um sonho que não era para mim
e dele guardo o rasto de um corpo estranho
um apetite por aquela que nem morta,
vive-se abalado pelo impossível,
deitando as mãos remexendo nos ciclos
e um dia aprendemos que o futuro
é tão antigo como o passado,
mas se ao menos eu soubesse sempre
o que sei agora, se me fosse oferecida
a oportunidade de um crime voraz
não diria outra palavra,
morre-se demasiado na imaginação
cada vez menos a meio no vinco da vida
nos extremos do mal ansiando o novo perfume
e então que pressa de sacudir o cadáver
ameaçar cada uma das pulgas
levar a sarna a outros fins
fazer nascer na própria carne o verme
que ri e aumenta a fome e o escuro
tudo aquilo que te rói para lá da vida
o gozo de ir ao lago pé ante pé
e estrangular o cisne, o próprio canto
lançar esses reflexos procurando outra forma
na superfície da água
falamos e as palavras fazem-nos ver
e ter claro como tudo isto será esquecido
roubar é por isso o verdadeiro gesto
entre todos o mais doce e misericordioso
guardando horas perdidas, dando-lhes
continuação, outras vistas
flores voltadas para sóis destruídos
e como estas nos apresentam a luz,
o calor de tudo o que se acabou,
as crianças que chegaram à fala
imitando os pássaros,
apanhando os próprios ecos
para os levar a outro fundo
desenvolvendo cores amargas, a razão
de tudo quanto treme, como eu ou ele
diante da nudez dela
dos gestos repetidos pelo espelho,
os dois juntos encantados vimos
como acalmavam o tempo