No sono, os territórios dão-se a nós
entre estações de vária e exuberante
expressão, ciclos relevos um tumulto vivo
lembrando um organismo antigo entregue
a um cultivo detalhado de tudo quanto
o envolveu e colheu dele um respiro
a sua ordem de propagação. Sou chegado
a isto tardiamente e começo a ouvir-me
nas relações distantes, só me conheço
como um estranho esparso anterior
recuperando movimentos frases o pó
de mãos cuja madurez me impregna
os gestos e se me lembram que não
devo comparar nem perder o fio
para uma forma de terror, e que a tarefa
da beleza é quebrar-nos, fazer de nós
homens, ou melhor, formas desistidas,
já o divino escreve-se seguidamente
numa perseguição radiosa firme
arrastando tudo, comovendo, arrancando
de cada limite as forças, assim só resta
essa pergunta: terei ardor que me faça
tão doloroso e paciente, tão revisto
estrangulado por essa inquietação
com que decora a presa atento a cada
músculo o menor acento na pele, o silêncio
tenso vigilante a permanência desse susto
que lhe salva a vida, e muito depois
o sangue em grito que floresce
quando trocam explicações nesse laço
sombrio entre a vida e a morte. Por isso,
o verso nasce para um sustento absurdo,
esgotando-se numa agonia tão doce
que nos dilacera pelo tempo fora. Não se mata,
não se escreve um verso impunemente.
Escutamos a música desse encadeamento feroz
os sons desse que ilustra um maior arrebatamento
porque mais estudado, a crueldade em floração
sintetizando intimamente outro acorde
de ordem estelar, um oxigénio
que se inverte no sangue, transforma
subtilmente as matérias naturais, colhe
frutos, fere o rosto nos arbustos, levanta
a escama e o reflexo, aquele grão negro
no olhar dos peixes, e vê onde a carne
se confunde nas pétalas, como ele se dobra
e desce atraído pelas eras inspirando
um cheiro tão rude que não se acha
nos dicionários, assim também toda a luz
força e invade a gestação negra e enche
a boca para sentir na língua aquele nó
essa profundeza extática a raiz exaltada
o núcleo pulsante de uma vida secreta.
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