sexta-feira, julho 11, 2025

 

Nalgum canto, um vestígio
do reino esquecido.
Julio Cortázar

 


Fala baixo, fala miúdo
diz-lhes adeus muitas vezes antes
de começares, pisa um galho
para alarmar a noite e sentir como pode
ainda ser vasta, faz à fome
um sinal, e aquilo que vive de nós
virá dos seus passeios, como por vezes
se ouve por aí, meio desvairada
ávida de distâncias, digerindo
o que nos escapa,
a música dos que se afastam,
dos desaparecidos, 
lembra-te desses corpos vagos
e vibrantes muitos aos pedaços 
rascunhos cheios de talento
que tomavam o balanço a febre se um
impulso os mordesse, sabendo bem
como a odisseia ainda foram primeiro 
as cicatrizes, o nome dado a cada
uma, como este e aquele (mais tarde
reunidos numa só voz) fizeram inversamente
o percurso, revestindo a dor,
suportando o florescer dos pormenores,
inábeis num momento noutro já 
ardilosamente infiéis, íntimos da falha
do impossível, narram então
com delícia e verdadeiro horror, aprendem
como no final de contas a guerra
é apenas um modo de falar,
a meio quem fala bebe um copo
de água, assim o mar na descrição 
ganha a cor do vinho,
alimentam-se das imagens raras
sugeridas por todos os que ficaram e
agora deliram, rasgando a língua
materna, e se esta mordia o lábio 
enquanto costurava, a agulha
exigindo a firme lentidão, a história 
vem e precipita tudo, quem faz
o caminho de volta não protege a memória 
abandona-a ao assombro, à invenção 
de quem nunca irá, regressa
traz a lenda, os ecos de línguas absurdas
e é do balanço destas que nasce a folga, 
a paixão dos que vão inventar
corpos urgentes, mordendo provando
olham com um tal desafio os outros
desfeitos pela demora, 
e se não sabem o suficiente 
dos idiomas do pó, preferem os
detalhes agressivos, doentes,
que nos impedem de chegar ao todo.



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